O que significa o Julho das pretas

Esse movimento tem garantido espaço de luta e fala para todas as mulheres.

Com uma agenda ampla de atividades, busca resgatar a história dessas mulheres, suas contribuições no cenário social, político, acadêmico, artístico entre outros, cuja participação das mulheres negras foi apagada em razão da cultura hegemônica europeia.

Neste mês, temos duas grandes comemorações que reafirmam a importância de termos uma agenda anual para comemoração, luta e discussão permanente que garantam ações afirmativas para empoderamento das mulheres pretas. 

A história dessas mulheres ao chegarem no continente americano foi marcada por muita violência, exploração e apagamento.

Seus corpos foram objetos de uso, abuso e abandono.

Essa luta por liberdade e direitos sempre existiu e foram  muitas as mulheres pretas que seguiram em resistência, mas foram invisibilizadas pelo racismo e pelo machismo, mas são as histórias delas que nos dão força para seguir por melhores condições de vida, respeito aos nossos corpos e garantia dos direitos enquanto cidadãs de um estado democrático.

Nosso desejo é que possamos chegar aonde quisermos e sermos livres das amarras históricas que nos deixaram em condições desiguais e vulneráveis. 

Somos parte importante na construção social e política desse continente, mas com pouco reconhecimento de nossa força.

A nossa luta não cessará e não descansaremos diante da mordaça da escrava Anastácia ou do assassinato de Mariele porque somos muitas e juntas somos fortes!! Viva o “Julho das Pretas”

25 de julho – Dia da Mulher Negra instituído pelo governo do Brasil pela Lei nº 12.987/2014 em 2014.

31 de julho – Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha

O que é ser mulher negra?

Ser-mulher negra – Tereza de Banguela 

Tereza de Benguela faz parte do panteão de mulheres negras que lutou pela independência de seu povo. Assumiu a liderança do Quilombo Quariterê ou Quilombo do Piolho, localizado na fronteira entre Mato Grosso e Bolívia, após seu companheiro José Piolho ser assinado por soldados do Estado. Como líder do quilombo, lutou ao lado da comunidade negra e indígena e junto de seu povo planejava táticas de defesa, além de comandar as práticas econômicas, políticas e administrativas. Foi uma mente pensante, sempre articulando formas inovadoras de governar e liderar seu povo. O Quilombo resistiu da década de 1730 ao final do século. Tereza foi capturada e morta em 1770.

Trazer à tona a história de Tereza é relembrar os antepassados e raízes do povo negro, além de buscar inspiração para as batalhas ainda persistentes na sociedade atual. Tereza tem seu nome homenageado em alguns enredos de escolas de samba, além de ter o dia 25 de julho como data de homenagem em território brasileiro.

Ser-mulher negra Dandara dos Palmares 

Outra importante mulher que lutou pela liberdade e independência de seu povo foi Dandara. Juntamente com Zumbi dos Palmares, articulou técnicas para resistir contra as violências impostas pelo sistema escravista vigente em sua época. Era uma mulher que dominava a arte da capoeira, participava de atividades cotidianas de seu povo como caça e agricultura, além dos embates físicos que vivia para defender os seus.

Ser-mulher negra Neusa Santos Souza Nascida em Cachoeira

Neusa, Bahia, formou-se em medicina pela Universidade Federal da Bahia e tornou-se psiquiatra e psicanalista de orientação lacaniana. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde adquiriu o título de Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, conviveu com intelectuais e deu importante contribuição na luta contra a discriminação racial.

É saudada pelo Conselho Federal de Psicologia que, após pressão dos movimentos negros, lançou um guia de referências técnicas para a atuação dos psicólogos, sobre relações raciais.

A produção acadêmica de Neusa Santos é referência para o pensamento da psicologia brasileira sobre relações étnico-raciais, sobre o processo de “branqueamento” e o sofrimento psíquico dos negros na sociedade brasileira. Em 1983 publicou o livro Tornar-se Negro, prestando uma grande contribuição à área das relações raciais.

A obra traz o estudo da autora sobre a vida emocional dos negros, com reflexões sobre o custo emocional da negação da própria cultura e do próprio corpo, sendo considerada a primeira referência sobre a questão racial na psicologia.

No livro, a autora mostra a rejeição do negro por seu aspecto exterior e explica que é necessário um desenvolver social e culturalmente da consciência para que esse quadro se inverta. Quando isso acontece, a cor e o corpo do negro são sentidos como valor de beleza. 

Ser-mulher negra Lélia Gonzalez

Nascida em Minas Gerais, residia no Rio de Janeiro. Lélia se graduou em história, geografia e filosofia, tendo atuado como docente nas seguintes universidades: Universidade de Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Gama Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Participou intensamente das lutas feministas e antirracistas na década de 70.

Desde a década de 90, Lélia, se transformou em uma referência para as mulheres negras no universo acadêmico, além de trazer as denúncias sobre a política de branqueamento da sociedade brasileira.

Ser-mulher negra Leci Brandão  
 

Nascida em Madureira e criada em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. De origem humilde, sempre se orgulhou da vida e da educação que teve. Sua mãe foi servente de escola pública. Sua relação com a música teve além do samba, clássicos do choro, ópera e jazz, por incentivo do seu pai. Em 1972, Leci quebrou muitos estigmas ao tornar-se a primeira mulher a fazer parte do time de compositores da Estação Primeira de Mangueira.

Em 1981, foi barrada pela gravadora, após recusar alteração em seu repertório, pois haviam sambas politizados como Zé do Caroço e Deixa, Deixa.

A cantora preferiu romper com a gravadora por terem tentado censurar seu trabalho. Após este episódio, Leci permanece cinco anos sem gravar, mas aproveita o período para participar da vida politica e realizar shows em defesa das minorias, do povo negro, das mulheres e dos trabalhadores.

Foi convidada a se apresentar em diversos eventos com sindicalistas, estudantes, indígenas, grupos feministas, população LGBTQIA+ e, principalmente, o movimento negro. 

Ser-mulher negra Mariele Franco

Marielle Franco, foi uma mulher negra, mãe e favelada, como a mesma se identificava. Formou-se em sociologia pela PUC-RIO e foi mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Iniciou sua militância em busca de formular projetos de leis e pautas em defesa da população LGBTQIA + e das mulheres pretas faveladas.

Sua luta também era pautada na defesa dos direitos humanos dentro das favelas do país. Trabalhava contra a violência que se estabelece dentro das favelas devido à alta militarização dos espaços.

Violência essa que mata e fere a integridade dos moradores, já que muitas vezes são obrigados a ficar em casa sem trabalhar para se proteger dos tiros, assim como fere também a saúde mental, pois sempre estão com medo do que pode vir a acontecer.

Também dentro de seu território, levava para a discussão o tema “ser mãe”, compartilhando e empoderando demais mulheres.

Marielle trabalhou em organizações da sociedade civil como Brasil Foundation e o Centro de Ações Solidária da Maré (Ceasm), coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado de Marcelo Freixo.

Tinha 39 anos quando foi eleita Vereadora da Câmara Municipal do Rio de Janeiro pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) . Nascida em 27 de julho de 1979, teve sua trajetória interrompida em 14 de março de 2018, onde foi brutalmente assassinada.

Ser-mulher negra Erika Hilton

Erika Santos Silva, mais conhecida como Erika Hilton, nasceu em 9 de dezembro de 1992, em Franco da Rocha, São Paulo. É uma mulher negra, transgênero, de 28 anos que, assim como Marielle, ocupa o cenário político.

É filiada ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e atualmente é vereadora eleita pela cidade de São Paulo. Erika luta pelos direitos da população LGBTQIA +, pelas mulheres negras e por uma política mais justa que abarque a todos.

Aos 14 anos foi expulsa de casa, quando assumiu sua transexualidade. Passou a se prostituir nas ruas, lidando com todo o desamparo e desumanização.

Anos depois, reconciliada com a mãe iniciou sua militância e entrou na universidade, em busca de lutar a favor das mulheres, para que passassem a ser reconhecidas como sujeitos de direito, dignas de amor, afeto e não somente como corpos que podem ser comprados e humilhados.

Foi responsável pela criação de um curso pré vestibular na Universidade Federal de São Carlos para pessoas trans, visando a ocupação de instituições não somente por pessoas brancas, heterossexuais e cisgenero.

Sua luta é embasada na criação de políticas públicas,  defesa dos direitos humanos e construção de um novo imaginário sobre quem são as mulheres trans, negras e periféricas. 

Ser-mulher negra Rafaela Silva 

Rafaela Silva, é carioca, nascida em 24 de abril de 1992 na comunidade de Deus na zona oeste do Rio de Janeiro. Ela é uma mulher negra, atleta, a primeira judoca brasileira campeã olímpica e mundial. Sua trajetória no esporte, assim como de muitas outras jovens, começou a partir de um projeto social, aos oito anos de idade.

Durante a sua trajetória, passou por episódios racistas nas Olimpíadas de 2012 em Londres e muitos outros desafios. Rafaela compõe o cenário de mulheres negras, atletas que lutam contra atos racistas. 

Ser-mulher negra Anastácia 

Nascida na África Central foi trazida para ser escravizada no Brasil, marcada pela fé tornou-se popularmente conhecida como santa e tem milhares de devotos.

Com uma história que parece ter se tornado um mito, acredita-se em duas versões para sua imagem: a primeira seria que a sua mordaça seria para impedí-la de comer terra e assim de tirar sua vida e outros associam ao uso da mácara de fladres como castigo por se negar a ter relações sexuais com seu senhor.

Seus olhos azuis são atribuídos ao fato de sua mãe ter sido abusada por um homem branco logo após ser vendida ainda na África.

Ela é considerada uma figuras femininas importantes da história negra no Brasil, pois sua história se consolidou com docilidade e bravura, fé e resistência (luta).

E dessa forma se tornou  modelo de liderança, resistência e santidade pelos milagres que lhes são atribuídos.

Ser-mulher negra Luciana Silvério Alleluia Higino da Silva

Mulher negra nascida no Rio de Janeiro, filha de migrantes mineiros pai operário aposentado e mãe aposentada e exerceu trabalho como doméstica por muitos anos, casada, mãe de um menino, estudou em escola pública desde o fundamental 2 até a universidade, é enfermeira formada pela Universidade Federal Fluminense, se especializou em saúde mental e psiquiatria, atualmente é funcionária pública e segue no doutorado pesquisando sobre racismo, colonialidade e gênero mas, tem um legado na saúde mental, pois acredita que o melhor cuidado a se oferecer é o cuidado decolonial  libertário e empoderado para todos, principalmente  para a população negra.

Ser-mulher negra Mallu

Maria Luíza Aparecida de Jesus, 22 anos, nascida em Itatiba no interior de São Paulo. Filha de uma mãe mineira empregada domestica, pai baiano e tem um irmão, todos negros.

Se reconhece como mulher, negra, LGBTQIA + e umbandista, buscando cada vez mais o conhecimento sobre sua ancestralidade.

É a primeira da família a adentrar uma universidade pública, atualmente cursa Terapia Ocupacional na Universidade Estadual Paulista de Marília (UNESP-Marília).

Divide seu tempo entre as atividades da faculdade,  o trabalho no CENAT e as obrigações religiosas.  Já participou de pesquisas sobre racismo e como usar a educação como meio de combate aos comportamentos racistas, além de estar desenvolvendo uma pesquisa embasada nas interseccionalidades entre gênero e racismo.

Mallu, tem um grande apreço pela saúde mental, e pretende atuar como Terapeuta Ocupacional, no cuidado à saúde mental a partir das Novas Abordagens, reconhecendo os sujeitos de direito em todas as suas dimensões. 

CONCLUSÃO

A luta das mulheres negras é constante, vem de décadas e continuará por muitos anos, se fortalecendo cada vez mais.

É importante destacar que mulheres negras, não são apenas corpos resistentes ou lutando por isso, são seres humanos como todos os outros e necessitam de afeto, carinho, reconhecimento, cuidado a saúde mental, saúde física, qualidade de vida, segurança, lazer, etc.

Para essas mulheres é negado o afeto e amor, pois muitas vezes não seguem o padrão de beleza imposto pela sociedade, isso mina a saúde mental de cada uma delas, afinal, amor e afeto são necessidades básicas de qualquer ser humano. 

A ascensão das mulheres negras ainda acontece com percentuais bem baixos e muitas delas estão em relações de trabalho precarizadas como diaristas, domésticas, babás entre outras.

Muitas vezes esses trabalhos acontecem sem folga e com remuneração muito baixa. O movimento feminista não deu a devida atenção às mulheres negras e essas continuaram marginalizadas.

Diante disso era preciso seguir em resistência por melhores condições de vida e saúde. Por outro lado, as mulheres negras que ingressam nas Universidades enfrentam desafios de outra ordem, entretanto aquelas que conseguem dar seguimento avançam mesmo com os percalços de uma vida universitária não pensada para elas, pois as políticas de permanência estudantil são insuficientes para suprir os gastos que se tem dentro de uma universidade.

Portanto, além da faculdade, é preciso buscar atividades extras como forma de geração de renda. É inegável a sobrecarga e as jornadas de trabalho excessivas, não restando muito tempo para o cuidado de si.

Mulheres negras pertencem a um dos grupos que mais sofrem violência de diversas natureza, seja obstétrica, psicológica, racial e psicossocial.

Nesse contexto Ser-mulher negra não se restringe a um estereótipo, mas sim a uma complexidade capaz de garantir que o feminino vai além da questão de gênero determinado pela biologia, vestimenta, acessórios entre outros.

Mas ser-mulher negra é resistir coletivamente para ser quem se quer.  

Portanto, a luta será constante por resistência, mas também por reconhecimento de mulheres merecedoras de afeto, amor, cuidado integral à saúde (mental e física) e autocuidado. Juntxs vamos a luta cada uma podendo ser e viver como quiser sendo respeitada pelas escolhas que fazemos. Ubuntu!!!

REFERÊNCIAS

https://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/3526/anastacia-resistencia-negra-santificada

https://catracalivre.com.br/cidadania/leci-brandao-soldada-do-samba-que-reconhece-os-seus/ 

https://blog.cenatcursos.com.br/referencias-negras-saude-mental/ 

GOMES, F. S., LAURIANO. J., SCHWARCZ, L.   Enciclopédia Negra.  Iªed. São Paulo: Companhia das letras, 2021.

      https://www.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/220-tereza-de-benguela-a-escrava-que-virou-rainha-e-liderou-um-quilombo-de-negros-e-indios

https://www.oxfam.org.br/blog/dia-da-mulher-negra-latina-e-caribenha/

       https://www.geledes.org.br/dia-da-mulher-negra-latino-americana-e-caribenha-tempos-de-luta-de-luto-e-de-resistencia-a-violencia-contra-as-mulheres-negras/

https://www.geledes.org.br/tereza-de-benguela-uma-heroina-negra/

   https://www.ufrb.edu.br/bibliotecacecult/noticias/220-tereza-de-benguela-a-escrava-que-virou-rainha-e-liderou-um-quilombo-de-negros-e-indios

https://www.politize.com.br/quem-foi-marielle-franco/

https://www.youtube.com/watch?v=qvzQd0tN27w – Roda Viva | Erika Hilton | 01/02/2021

 

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