Psicodrama: A Teatralidade Terapêutica em favor da Saúde Mental

A arte pode ser utilizada de diversas maneiras para auxiliar o ser humano em suas buscas e realizações. A teatralidade é um dos formatos que a arte pode tomar para si nesse exercício.

A prática do Psicodrama alia o teatro com técnicas terapêuticas, colocando a pessoa no centro do processo, buscando iluminar problemas históricos, resolver questões latentes e construir uma melhor saúde mental para esta que da dramaturgia terapêutica participa.

Seus benefícios são comprovados e suas técnicas utilizadas há anos por psicologistas que acreditam na teatralidade como uma maneira de entrar em contato com os lugares mais profundos do inconsciente e da psique.

Entremos um pouco mais na história da arte como terapia; na história do Psicodrama.

A origem do Psicodrama

O conceito de Psicodrama seria construído pelo psiquiatra romeno, Jacob Levy Moreno, que viveu parte de sua vida na Áustria, até se transferir para os Estados Unidos, lugar em que desenvolveria suas principais teorias e faleceria no ano de 1974.

Moreno, além de médico, teria trabalhado com teatro ao longo de sua vida, mas em moldes diferentes dos tradicionais. Sua ideia era estimular a criatividade dos atores, de maneira que as representações teatralizadas seriam criadas na hora pelos atores, a partir de algum tema proposto pelo grupo.

Jacob Levy Moreno

O Psicodrama nasce dessa proposta de Moreno. Através da teatralidade, o psicologista romeno teria percebido o potencial terapêutico das atuações para os grupos com os quais trabalhava, em específico por meio da experiência de um casal de atores que, ao representarem papéis negativos inerentes a suas vidas pessoais, alcançariam reflexões antes nunca alcançadas.

Os expectadores teriam servido também como um guia das teorias psicodramáticas, e a partir desses elementos e retornos positivos, Moreno uniria seus conhecimentos teatrais, psicológicos e medicinais para dar contornos sólidos ao que chamou de Psicodrama.

O Psicodrama começou pois, como uma terapia de grupo e ato público. Aos poucos foi sendo levado para o contexto da psicoterapia individual e de consultório, transformando-se de um ato psicoterapêutico único em um processo psicoterápico de tempo variado (Pamplona, 2016).

No Brasil, o Psicodrama chega em 1949, através do sociólogo baiano, Guerreiro Ramos, coordenador do Instituto Nacional do Negro na época, realizando as primeiras experiências no Teatro Experimental do Negro, no Rio de Janeiro. Já nas décadas de 50 e 60, Pierre Weil passa a formar psicodramatistas em Recife e Belo Horizonte.

As bases teóricas e filosóficas do Psicodrama

A abordagem psicodramática é considerada uma abordagem existencial. Essas abordagens partem do princípio de que o homem é o construtor de si próprio e de seu mundo. Seus objetivos convergem para a compreensão da experiência de existir.

Busca-se o desenvolvimento da intuição, da liberdade e da sensibilidade do ser, não sendo utilizados diagnósticos psicopatológicos para definir a pessoa ou suas dificuldades.

Entende-se a pessoa como alguém que ainda não encontrou seu caminho de crescimento, ou seja, que se submeteu ás conservas culturais, cristalizou papéis e deixou de ser espontâneo criativo; perdeu o sentido de sua vida (Ramalho, 2011).

A teoria da espontaneidade

Uma das principais teorias de Moreno, dentre as que fundamentam a base do Psicodrama, diz respeito ao conceito de espontaneidade, que na concepção do autor estaria diretamente vinculado a capacidade criativa do indivíduo, mesmo que não fosse regida pela consciente e necessitasse de outro ser criador para surgir, como ele nos diz.

O ser humano viveria em estado de busca perpétua à sua originalidade e adequação pessoal e existencial à realidade da qual faz parte, buscando, por um lado, a libertação de sua espontaneidade, e, por outro, a segurança dos elementos imutáveis que comporiam, por exemplo, uma determinada cultura.

A espontaneidade seria um catalisador do desenvolvimento humano. No entanto, em vias de evitar as dores do autoconhecimento, o ser humano constituir-se-ia de limites, de recursos repressores, que ao isola-lo de si mesmo, o fariam mais dócil e socialmente alocado.

Nesse sentido, Moreno proporia, por meio da abordagem psicodramática, a recuperação da espontaneidade perdida no ambiente afetivo e no sistema social:

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A espontaneidade é algo que pertence ao potencial criativo, que se atualiza e se manifesta. Ser espontâneo é tomar decisões adequadas, perante o novo, agir de forma transformadora e coerente, considerando sempre os laços afetivos construídos na rede. Não é responder automaticamente, é responder sendo um agente ativo do próprio destino (Moreno, 1975 apud Ramalho, 2011).

Percebe-se com isso que, para Moreno, a espontaneidade e a criatividade aconteceriam sempre de forma conjunta, dado que esta revolução criadora necessitaria de uma força espontânea, presente no homem e imprescindível à sua existência individual, como um meio para romper com o mal uso de suas próprias conservas culturais.

A conserva cultural

O conceito de conserva cultural de Moreno serviu para consolidar sua ideia de que nossos costumes se cristalizam, podendo ter implicações tanto positivas quanto negativas em nossa experiência de vida individual.

Determinadas culturas estariam presas a essas conservas, prejudicando o emergir da espontaneidade, ao ponto em que não exerceriam seu papel de guia inicial ao indivíduo, assumindo uma posição de obstáculo desse ímpeto por desenvolvimento pessoal.

Para Moreno, a conserva cultural, ao assumir um posicionamento prejudicial,  propor-se-ia a ser o produto final do trabalho individual de um homem, sendo algo incompleto e inacabado. Caberia ao ser humano se libertar da submissão às conservas culturais e cultivar o estado espontâneo-criativo.

O fator tele e o encontro existencial

De acordo com Moreno, o conceito de fator tele faria referência direta a capacidade do ser em se distinguir e se distanciar de objetos, lugares e pessoas de seu meio – principalmente de seu meio familiar – sem distorcer seus papéis essenciais em relação a sua vida.

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A distinção e o distanciamento momentâneo permitiriam, por meio das técnicas psicodramáticas, uma aproximação à questões complexas do indivíduo, em vistas de superá-las por meio da reprodução da realidade através do teatro guiado em forma terapêutica.

A catarse de integração

A catarse de integração, outro conceito moreniano, é um mecanismo de ação terapêutica pelo qual se pretende a liberação de afetos e emoções, assim como a sua posterior elaboração e construção de novas formas de estar no mundo.

Há, no momento da catarse, uma aproximação entre o indivíduo e seus próprios conflitos, onde ele redimensiona as suas relações e seu estar existencial.

A catarse de integração é a catarse do ator e do criador.  Tenta limpar o passado da sua vigência no presente. Ela é precipitada pela “concretização” na ação psicodramática. Após a catarse, o passado é restituído ao passado e deixa de determinar o presente, mas integra-se a ele (Ramalho, 2011).

A realidade suplementar

O conceito de realidade suplementar diz respeito a realidade construída por meio das técnicas psicodramáticas, tendo como base os sentimentos, as sensações e a história externada pelo indivíduo central desse processo, o diretor da “peça”.

O ato de externar as próprias dificuldades, episódios mal resolvidos e seus personagens, colocam o protagonista em posição de ator-observador. Vive-se a realidade suplementar em contexto grupal ou bidimensional (protagonista e terapeuta), ao mesmo tempo em que ela se entrelaça com a realidade vivida.

Assim, o indivíduo vive um mundo que nunca pôde viver, mas que, no entanto, é absolutamente real. Ele tem o poder de vivenciar o passado, absorver aprendizados e seguir em seu presente, mirando o futuro, por meio da realidade suplementar.

A matriz de identidade

Para Moreno, todo ser humano seria inserido em processos individuais de matriz de suas próprias identidades logo ao nascer. A matriz estaria envolta pelo meio e as pessoas pertencentes a ele, influenciando diretamente a construção do indivíduo.

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A construção do homem, sua forma de ser e os desafios a serem encarados por ele no futuro dependem da matriz de sua identidade. Sua relação com o meio, consigo mesmo e com seus pares está diretamente relacionada a esse processo.

A teoria dos papéis

De acordo com Moreno, todos nós assumiríamos papéis ao longo de nossas vidas, sempre relacionados aos outros ao nosso redor, e isso seria capaz de influenciar nossos  comportamentos diante de situações vividas.

Cada papel seria alocado em nós durante o processo de desenvolvimento de nossa matriz de identidade. Papéis como os de filho, amigo, pai e outros, estariam nesse lugar e em esforço de nossa psique, unir-se-iam para dar forma prévia a quem somos.

Para Moreno, o desempenho dos papéis viria antes do surgimento do eu em cada pessoa. Nesse sentido, todos deveriam passar por processos de individuação para que reconhecessem a si mesmos, antes de fazer de seus papéis elementos secundários.

Como funciona o Psicodrama, suas técnicas e etapas?

A princípio, o Psicodrama funciona por meio da dramatização espontânea de cenas correspondentes a realidades trazidas pela pessoa centro na terapia (quando feita em dois) ou pelo grupo (quando feita em grupo) que dizem respeito a algum tipo de problema ou dificuldade vivida pela (as) pessoa (as).

O desempenho dos papéis no contexto dramático levaria o cliente a entender como seus papéis se tornaram fonte dos problemas exibidos e a experimentar, através da dramatização, formas de transforma-los satisfatoriamente, enquanto transforma também sua vida.

De acordo com Pamplona (2016), o Psicodrama baseia-se no tripé formado por contextos, instrumentos e etapas. Usaremos suas classificações para ilustrar a atividade psicodramática e suas técnicas:

Contextos

1) O contexto social, constituído pelo tempo cronológico real, pela realidade social de cada comunidade, com suas características antropológicas, culturais, econômicas e políticas. É a realidade do indivíduo;

2) O contexto grupal, formado pela realidade do grupo terapêutico, com seus terapeutas e clientes;

3) O contexto dramático, constituído pela realidade dramática, pelo que será reproduzido, no tempo fenomenológico, subjetivo e no espaço fenomenológico, virtual, construído sobre o espaço concreto, devidamente delimitado. É a construção da realidade suplementar

Instrumentos

1) Cenário, que é o espaço delimitado destinado à dramatização, no qual as ações desenrolam-se “como se” fossem reais;

2) Protagonista, que é a pessoa que emerge, com o consentimento do grupo (em casos em que não existe somente terapeuta e pessoa), para a dramatização, que em geral, traz elementos não só do protagonista, mas de todo o grupo (ou dupla);

3) Diretor, que é o terapeuta que coordena a sessão;

4) Ego-auxiliar, que é quem interage na cena com o protagonista, fazendo os papéis complementares ao que o protagonista está desempenhando, por exemplo, em uma cena do protagonista com seu pai, o ego-auxiliar faz o papel do pai  (o ego-auxiliar pode ser um outro terapeuta ou outro membro do grupo);

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5) Público, que é o conjunto dos demais participantes do grupo; os espectadores (se houver).

Etapas

1) Aquecimento, que é a mobilização do grupo para que surja um protagonista e um tema e se prepare o cenário e a dramatização, ou no caso da terapia individual, para que surja o tema e o cliente se prepare para a dramatização e prepare o cenário;

2) Dramatização, que é a representação da cena ou do tema trazido, com o protagonista ou todo o grupo teatralizando o problema no cenário;

3) Compartilhamento, que é o momento em que cada participante do grupo comenta como foi tocado pelas cenas vividas na dramatização, como aquele drama do outro se inscreve na sua vivência; é também o momento em que o protagonista reflete sobre o que viveu em cena e se faz a transposição do vivido no contexto dramático para os contextos grupal e social.

Os benefícios do Psicodrama e da dramaturgia terapêutica – Uma reflexão

Faz-se importante, a princípio, ter em mente que o Psicodrama é, ao mesmo tempo, uma forma de expressão do ser, aliando arte à sua técnica e essência, e, de solução de problemas, na medida em que é terapêutica e fundamentada por elementos psicossociais.

A teatralidade nos ajuda a entender o que acontece conosco. Projetar por meio da cena questões do nosso interior, da nossa psique, com o auxilio e a orientação de um terapeuta, nos permite alcançar o autoconhecimento.

Ao observar, quase de fora, relacionamentos e dificuldades, torna-se possível analisar e interagir com nossos comportamentos de maneira positiva; torna-se possível compreender as ações alheias a nós, o posicionamento de nossos familiares, por exemplo, e realocar esses elementos em seu devido lugar.

O Psicodrama permite o conhecer de nós mesmos, trabalhando com a imersão que, nesses moldes, só a realidade complementar possibilita. Conseguimos, a partir daí, conquistar liberdades e deixar aflorar a espontaneidade/criatividade que reside em nós, como nos fala Moreno.

Pensamentos e emoções são externadas, conseguimos observá-las; vemos, aprendemos e ressignificamos aquilo que nos atormenta. Nos permitimos crescer rompendo os entraves de nossa mente e de nossa alma.

De forma guiada, a dramaturgia terapêutica trabalha o companheirismo, a confiança e nossas aberturas interiores, para então guiar o ser em suas dificuldades, leva-lo à reflexão por meio da interpretação, ao passo que, naturalmente, ele próprio atinja às suas.


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2 Comentários


  1. Por gentileza, quero informação sobre o curso de psicodrama

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