Vivendo com sentimentos suicidas

Sentimentos suicidas são cercados por medo e incompreensão. As comunidades são frequentemente julgadoras e encorajadas a relatar sentimentos suicidas aos profissionais de saúde mental, enquanto o padrão de cuidados em saúde comportamental enfatiza a avaliação rápida de risco e a intervenção médica.

Will Hall é uma figura de crescente importância nos movimentos internacionais de sobreviventes e recuperação na saúde mental.  Will mora na cidade de São Francisco nos Estados Unidos.

Dentre diversas atividades, ele sedia o Madness Radio (Radio Loucura, em livre tradução) e no ano passado se endereçou à Associação Americana de Psiquiatria.

Quando o convidamos para ser um colaborador convidado do SRN, ele escolheu falar sobre um assunto de grande significância pessoal: como viver com sentimentos suicidas.

Este artigo é um contribuição oportuna, dado o atual processo de engajamento para o desenvolvimento de uma nova estratégia referente ao suicídio e autoagressão.

Este artigo é uma tradução da entrevista realizada com o Prof Will Hall no Reino Unido.

É tempo para uma nova compreensão acerca da ideação suicida.

Será realmente melhor forçar uma internação quando se tem ideações suicidas? Sentimentos suicidas mais “fatores de risco” realmente são suficientes para que profissionais /sejam capazes de prever que alguém pode tentar se matar? E são os  sentimentos suicidas sintomas de uma doença tratável cujo tratamento deve incluir prescrição de medicamentos?

Eu fui trancafiado na ala de emergência psiquiátrica do Hospital Geral de São Francisco porque o confinamento foi considerado necessário para me proteger do suicídio.

Mas quando fui amarrado à força, trancado em uma cela de isolamento, ameaçado de ser desnudado e revistado, mantido atrás de janelas de hospital gradeadas por meses a fio e sujeito a tratamento degradante, era do hospital que eu precisava ser protegido – não dos meus próprios sentimentos.

Embora as pessoas nem sempre sejam maltratadas em unidades de internação, como eu fui nos Estados Unidos, o dano causado a mim em nome do cuidado é uma tragédia demasiado comum.

Mesmo que alguns pacientes se sintam gratos por terem sido postos em tratamento contra sua vontade, e mesmo que reconheçamos uma diversidade de experiências em hospitais, a questão permanece: a possibilidade de prejudicar pessoas, como eu fui prejudicado, vale o risco?

A sociedade toleraria qualquer outra intervenção médica com uma possibilidade tão clara de dano devastador, com um registro tão alto de trauma iatrogênico? Não deveríamos procurar outras abordagens, com menos potencial de dano, em vez de apenas aceitar a rotineira violência institucional?

Ferir alguns pacientes e violar sua liberdade pessoal, diz-se, é o preço que pagamos pela prevenção ao suicídio. Mas esse cálculo é preciso? O que pesquisas dizem sobre prevenção de suicídio?

O Exército dos Estados Unidos, enfrentando taxas de suicídio mais altas que as mortes em combate, resumiu a pesquisa existente em um estudo do Centro Médico do Exército Walter Reed.

Ela descobriu que “… mesmo quando todos os fatores de risco conhecidos são considerados juntos, eles podem ser responsáveis ​​por apenas uma pequena proporção variância nos comportamentos suicidas.

Isto é, os fatores de risco conhecidos não fornecem aos médicos informações suficientes para prever o suicídio”.

Como resultado, os hospitais estão cometendo vários erros “falso positivo” e “intervenções bem-intencionadas certamente estão direcionadas a muitos para os quais a intervenção não é necessária”.

O estudo lista alguns dos efeitos adversos de intervenções intrusivas: violação da confidencialidade, dano ao relacionamento terapêutico, aumento do estigma, abandono do tratamento e evitação de “conversas francas sobre ideação suicida no futuro”. [1]

Intervenções forçadas e intrusivas não são baseadas em um cálculo sólido de prevenção de riscos.

Em vez disso, rotineiramente prejudicam as pessoas e desencorajam muitos outros, que temem tratamento involuntário, de procurar ajuda. (E, às vezes, as pessoas também aprendem a usar a linguagem da “segurança” e do “suicídio” para obter como resposta a hospitalização quando não há outras opções de tratamento disponíveis – ao invés de falar em termos da dor, medo, tristeza ou desamparo que sentem).

Para ser sincero, não é possível demonstrar que a intervenção forçada realmente previne o suicídio.  O que ela realmente trata é o medo da responsabilidade e responsabilização dos profissionais. Precisamos de uma nova abordagem.

Precisamos falar abertamente sobre nossos sentimentos suicidas sem medo da reação institucional.

Quando temos essas discussões, as quais tive nos últimos 12 anos como organizador de grupos de apoio, instrutor, e agora como terapeuta, aprendemos que sentimentos suicidas são muito mais comuns do que imaginamos.

Muitas pessoas vivem com sentimentos suicidas, e ser capaz de falar sobre o desejo de morrer, como poder falar sobre qualquer sofrimento extremo, é a chave para a recuperação.

As pessoas desenvolvem ideações suicidas por causa das circunstâncias da vida e de experiências reais.

Embora substâncias, efeitos colaterais de drogas (às vezes dos próprios medicamentos psiquiátricos), exposição a produtos químicos e outros muitos fatores possam contribuir, sentimentos suicidas não podem ser explicados como sintoma de uma química cerebral defeituosa a ser corrigida por medicamentos.

Medicamentos, quando úteis, não combatem nenhum processo de doença conhecido e, geralmente, o placebo e a expectativa são os responsáveis ​​por seus efeitos. Como Joanna Moncrieff e David Cohen escreveram no British Medical Journal em maio de 2009, “… as drogas psiquiátricas são, antes de tudo, drogas psicoativas.

Eles induzem estados físicos e mentais complexos, variados e, muitas vezes imprevisíveis, que os pacientes geralmente experimentam como globais, ao invés de efeitos terapêuticos e efeitos colaterais distintos.

As drogas podem ser úteis porque alguns estados alterados podem suprimir as manifestações de certos transtornos mentais. ”[2]

Quando começamos a escutar, também descobrimos algo muito surpreendente. Sentimentos suicidas não são o mesmo que desistir da vida.

Sentimentos suicidas geralmente expressam uma poderosa e avassaladora necessidade de uma vida diferente. Sentimentos suicidas podem significar, de maneira desesperada e implacável, uma demanda por algo novo.

Ouça alguém que tem ideação suicida e frequentemente se escutará uma necessidade de mudança tão importante, tão indispensável, que eles preferem morrer a continuar vivendo sem mudança. E quando a pessoa se sente impotente para realizar tal mudança, ela se torna suicida.

A ajuda vem quando a pessoa identifica a mudança que deseja e começa a acreditar que ela realmente é possível.

Seja superar uma situação familiar impossível, uma mudança de carreira ou nos estudos, enfrentar um opressor, obter alívio referente a dor física crônica, acender a inspiração criativa, sentir-se menos sozinho ou começar a reconhecer seu valor próprio, na raiz da ideação suicida com frequência está a impotência para mudar a própria vida – não desistir da vida em si.

O suicídio é e sempre será um mistério. Nós nunca sabemos por que, diante desse desejo terrível de morrer, uma pessoa termina sua vida e outra retorna do abismo.

A ciência da suicidologia não tem respostas conclusivas sobre o porquê de eu estar vivo hoje, como sobrevivi a sentimentos suicidas e a estados de desespero tão profundos que não conseguia sequer me alimentar ou sair do meu apartamento.

Eu nunca saberei por que de ser uma das pessoas que, na ponte Golden Gate em São Francisco, não se deixou cair na água abaixo, mas, ao contrário, se virou e voltou para a margem.

Sou grato ao que quer que seja em mim mesmo ou ao que quer que seja no mundo, ou no universo, que me deixou viver.

Embora hoje tenha desenvolvido um compromisso com a vida, às vezes ainda luto com sentimentos suicidas.

Convivo com esses momentos, dias e até semanas, de dor extrema porque tenho amigos íntimos corajosos o suficiente para, ao invés de exagerar no medo e me entregar a profissionais de saúde mental que recorrem à tratamentos forçados, me ouvirem e mostrarem que se importam.

Também aprendi a encarar meus sentimentos suicidas como mensageiros de mudança, como uma oportunidade de procurar dentro de mim novas direções na vida.

Quero viver em um mundo onde possamos conversar abertamente sobre o que acontece conosco, nossos sentimentos, nossos sonhos, e, inclusive, os sentimentos que às vezes temos de querer morrer.

Eu posso pedir para você me ligar mais tarde, ou ficar na minha casa, eu posso pedir para você abrir mão do frasco de remédios que você possui ou até mesmo perguntar se você se sentiria mais seguro em um hospital, mas não substituirei escutar você por uma avaliação de riscos, a falsa segurança do confinamento forçado ou a crença tranquilizadora em explicações e soluções simples.

Sentimentos suicidas estão entre as piores formas de sofrimento da humanidade: a resposta que damos é um chamado à nossa maior humanidade.

Sou grato à David Webb, Jance Sorensen, Ed Knight, Arnold Mindell, e o Western Massachussetts Rocevery Learning Community por seu trabalho inovador acerca destas questões.

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Will Hall: Conselheiro, escritor e professor. Foi usuário do serviço de saúde mental, ele é um líder na abordagem de recovery em saúde mental e é um organizador dentro do movimento de sobreviventes psiquiátricos nos Estados Unidos. Hall é reconhecido internacionalmente como inovador no tratamento e na resposta social à psicose. Em 2001, ele fundou o Freedom Center e de 2004 a 2009 foi co-coordenador do The Icarus Project. Ele foi consultor do Programa de Ação e Resposta Familiar e do Escritório sobre Violência Contra as Mulheres. Atualmente Will é pesquisador na Universidade de Maastricht na Holanda.

Fonte: Scottish Recovery Network

8 Comentários


  1. Assunto muito necessário ser abordado em meio ao número crescente de casos de depressão e pensamentos/idéias suicidas…

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  2. Um tema muito relavante e necessário ser debatido, tenho um projeto onde realizamos sanalmente encontro com jovens que pensamento, ideação e pósvenção suicidas, uma vez ao mês realizamos oficinas e roda de conversas com familoares e responsáveis por estes. Está sendo uma experiência incrível aqui na minha pequena cidade no interior do Pernambuco e estamos expandindo a ideia em outros municípios e cidades. @projetobemmequero_

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  3. Adorei seu conteúdo Parabéns, bem completo e dinâmico.
    Era exatamente o que eu estava buscando na internet e
    todas as minhas dúvidas foram tiradas aqui. Muito sucesso e
    gratidão!

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  4. Muito importante e extremamente necessario e muito bom e importante que possamos falar dos sentimentos que nos causam mal e saber que existe alguem que nao vai questionar antes de tudo vai escutar

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