O Serviço Social: Sua história e importância nos cuidados à Saúde Mental

Introdução: a inserção do serviço social no cuidado a saúde mental no Brasil

O serviço social surge no Brasil como profissão regulamentada e inserida na divisão técnica do trabalho na metade da década de 1930.

Seus profissionais, alguns anos depois, passam a compor as equipes multidisciplinares dos extintos hospitais psiquiátricos, que nas décadas de 40, 50 e 60, eram parte integrante da saúde mental.

Foram instituições que atingiram seu ápice de existência fundamentalmente na época da ditadura militar, dada suas políticas de privatização e higienização da população.

Logo no início dos anos 70 e depois, com o fim do período militar, o serviço social se aproxima de outras bases teóricas, advindas especialmente das Ciências Sociais, mudando seu paradigma de compreensão da realidade social e seus modelos de intervenção.

Tendo em vista que mudanças também se concretizariam no antigo modelo de instituições psiquiátricas, algo que seria pautado também na ideia recente de se proporcionar um novo tipo de atendimento ao indivíduo, agora estes seriam centralizados na comunidade e não mais em leitos hospitalares como antes.

Nesse sentido, durante o decorrer desta década, novos debates se instauram sobre a necessidade de se promover mudanças na assistência às pessoas como um todo, atingindo seu ápice em 1978, quando o movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil começa a se desenvolver baseando-se nos modelos europeus.

A partir da década de 80, de acordo com tudo o que já tinha sido discutido na década passada, tem-se que o modelo antimanicomial ganharia força, acarretando em uma série de mudanças nas concepções e práticas correspondentes a saúde mental no Brasil.

A antiga estrutura manicomial seria, além de ineficaz, extremamente desumana e incapaz de causar benefícios reais aos indivíduos que ali seriam supostamente tratados.

Nesse contexto, tendo em vista principalmente a Constituição de 88 e a criação do SUS, que estabeleceria formalmente as diretrizes de todas estas mudanças, os novos serviços de saúde mental abririam um maior espaço para a participação dos profissionais da área de serviço social, tornando praticamente obrigatória a presença desses especialistas no apoio e planejamento dos novos tratamentos multifacetados ao indivíduo.

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Diversos teriam sido os movimentos em prol de melhorias e da modernização do modelo manicomial, cuja revisão seguia para os serviços extra-hospitalares, executados por equipes multiprofissionais, e para a progressiva diminuição dos leitos psiquiátricos asilares, dada sua substituição por leitos psiquiátricos em hospitais gerais públicos. (Ferreira e Araújo, 2015)

Partindo disso, em 1990 um grande passo é dado, quando o Brasil torna-se signatário da Declaração de Caracas, que propunha aos países membros compromissos de reestruturação da assistência psiquiátrica.

Esses novos compromissos no contexto brasileiro se converteriam em novos elementos de mudanças na estrutura anteriormente vigente, tendo como um de seus desfechos a consolidação, já no século XXI, de uma nova Política de Saúde Mental que levaria, mais uma vez, a ampliações do contingente de profissionais oriundos do serviço social nos serviços de saúde e saúde mental como um todo.

O código de ética do serviço social e os princípios da Reforma Psiquiátrica

Em 1993, um novo Código de Ética Profissional do assistente social seria publicado, tendo como base os frutos de todas as discussões realizadas no período anterior, em correspondência com os princípios da Reforma Psiquiátrica em recente acontecimento no Brasil daquela época.

Princípios como a liberdade, a defesa intransigente dos direitos humanos, a ampliação e consolidação da cidadania tornam-se centrais na formação e atuação destes profissionais, tanto no âmbito da saúde como em outros espaços ocupacionais.

O código de ética surge como mais um projeto a caminhar ao lado das mudanças então realizadas na saúde e na saúde mental, de forma a incorporar aos valores da profissão novas abordagens teórico-metodológicas, conhecimentos e princípios como a equidade, a liberdade e a democracia.

Vinculado a uma nova ideia de ordem social e de acesso aos serviços públicos, o projeto ético-político do serviço social desenvolve-se reconhecendo seu compromisso diante de questões como a autonomia, a emancipação e o desenvolvimento do indivíduo, excluindo qualquer forma de autoritarismo ou arbitrariedade nos contatos de seus profissionais para com os indivíduos em busca de auxilio.

Em meio a todas essas transformações, tem-se como fundamental assegurar o acesso e os direitos individuais de indivíduos portadores de alguma dificuldade psicológica.

Dessa forma então, torna-se possível o processo de ruptura com a antiga ordem vigente, fazendo da busca pela garantia desses elementos uma realidade.

Tanto no projeto ético-político como no processo de reforma psiquiátrica brasileiro, existiria uma preocupação no que diz respeito à qualidade dos serviços prestados, ao respeito pelo usuário, à luta contra o processo discriminatório e a busca pela qualidade nos programas oferecidos.

Tais preocupações reforçariam as mudanças ocorridas no seio do serviço social e da saúde mental, e reafirmariam o compromisso desses setores com posturas progressistas. (Soares, 2006)

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Nesse contexto, os novos princípios exigiriam do profissional maior qualificação e empenho quanto a sua abordagem e aprimoramento intelectual, na forma de seus estudos e de sua carga de conhecimento adquirida.

O objetivo final desse movimento seria o possibilitar uma análise completa e embasada das realidades sociais dos diferentes indivíduos usuários, de maneira a dar, sob sólida estrutura, suas contribuições ao plano de tratamento como um todo.

Nesse sentido, tendo por objetivo o quebrar de paradigmas conservadores, consolidando mudanças e melhorando cuidados de cunho fundamental ao indivíduo, Código de Ética e Reforma Psiquiátrica se assemelham em princípios e valores, ampliando forças em prol da busca constante pela melhora de serviços públicos, dos tratamentos e da saúde mental como um todo.

A atuação do assistente social nos serviços de saúde mental

Diante das transformações sociais e da aprovação de legislações que visem garantir o estabelecimento de políticas públicas e os mínimos sociais, o assistente social compõe os espaços de trabalho como um profissional que visa articular ações para garantir à população acesso aos direitos previstos em lei.

As ações que tomam os assistentes sociais atualmente, dentro dos serviços de saúde mental em geral, na atenção básica e outros, estão determinadas por uma série de elementos, tendo em vista que os planos de tratamento seriam sempre multifacetados, contando com profissionais de mais de uma área, como psicólogos, médicos e outros.

Participando de muitas das etapas do cuidado ao indivíduo, desde o planejamento e execução de ações de prevenção de riscos, até o acolhimento, a reabilitação e a reinserção social do indivíduo nos casos em que isto se faz necessário, sua presença é sempre importante e essencial.

Em razão daquilo que conhece e da experiência que tem, sua atuação na equipe interdisciplinar é fundamental, pois contribui de forma enriquecedora e única no olhar “circular” e na intervenção “empática, acessível e resolutiva” junto ao usuário, sujeito principal do atendimento multidisciplinar e consequentemente do Sistema Único de Saúde – SUS. (Ferreira e Araújo, 2015)

Ao assistente social cabe também o importante papel de ser um agente a conscientizar aqueles que estão em contato consigo e seus cuidados.

Sabendo da falta de alcance dos programas públicos dirigidos pelo Estado, fica a seu cargo o estimular dos usuários para que utilizem e reivindiquem melhores condições nos tratamentos disponíveis; uma necessidade e um importante exercício da cidadania.

Conhecendo bem os sistemas sociais que abarcam pessoas em situações de dificuldade por conta de questões de saúde mental, sabe-se que, como analista e planejador, o assistente social se apresenta muitas vezes como porta-voz de problemas na rede.

O profissional nesse sentido, podendo realizar diagnósticos psicossociais, conseguiria corrigir problemas de escala micro, mas que em determinada instância afetam e muito a escala macro da saúde.

Nesse processo, o assistente social torna-se um ator privilegiado entre a instituição, a equipe de saúde, o paciente e seu familiar.

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Com o objetivo de promover mudanças societárias e o acesso a bens e serviços, o assistente social a partir de um diálogo crítico, trabalha para a articulação dos recursos sociais, comunitários, familiares e individuais para a promoção e reabilitação do paciente e retorno ao seu contexto social.

Assim, o assistente social irá trabalhar com o paciente sua reinserção no mundo do trabalho, a retomada de habilidades sociais, redescobertas culturais e desenvolvimento educacional.

Estabelecidas em forma de parâmetros, em 2009, pelo Conselho Federal de Serviço Social, a atuação dos assistentes sociais ficaria circunscrita assim aos seguintes ordenamentos:

1) Atendimento direto aos usuários, através de ações socioeducativas e ações de articulação com a equipe de saúde;

2) Mobilização, participação e controle social;

3) Investigação, planejamento e gestão;

4) Assessoria, qualificação e formação profissional

O Serviço Social utiliza destas ações em sua prática profissional, pois através de orientações, compartilhamento de informação, educação em saúde, articulação da rede de serviços intersetoriais e acesso a recursos e benefícios, torna possível a reinserção social, a reabilitação psicossocial e melhora na qualidade dos relacionamentos interpessoais e comunitários.

O assistente social é um profissional fundamental para o acompanhamento, a organização e a execução dos diversos tratamentos oferecidos, principalmente, dentro da rede pública de saúde, aos casos em que a saúde mental do indivíduo se faz presente e aspectos sociais de sua vida interferem no seu quadro de melhora ou piora.

Desafios contemporâneos do serviço social na saúde mental

Mesmo com os muitos avanços conquistados pela promulgada Constituição de 88, temos que com o advento do Brasil ao projeto neoliberal muitos dos recursos que deveriam estar voltados para programas públicos ou para o SUS, acabam tendo como destino instituições privadas.

Tendo em vista a política de desmonte do Estado em função de pautas econômicas, acompanha-se ainda o prevalecer de algumas instituições não alinhadas aos princípios debatidos e construídos pela Reforma Psiquiátrica.

Seriam necessárias políticas em função da abertura de serviços, mas os esforços que se veem sendo feitos nem sempre caminham com esse objetivo.

Vemos pouco investimento da Rede de Atenção Psicossocial no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), que se amplia a passos lentos, permeado pela precarização.

Essas instituições de natureza privada se apresentam como serviços muito distantes da perspectiva de desinstitucionalização, pois consiste em ações com viés fortemente segregador, de caráter higienista, contrárias ao que historicamente foi lutado e conquistado. (Moura, Farias e Silva, 2015)

Faz-se importante entender, em um contexto como esse, que políticas neoliberais privilegiam forças econômicas, fazendo das funções do Estado algo minimalista, de forma a entender serviços essenciais como mais uma disputa comercial, uma mercadoria, os sucateando muitas vezes.

Mesmo que não sejam todas as iniciativas privadas a refletir serviços de má qualidade, tem-se nesta política de fomento a estas um elemento segregacionista, que faz da saúde mental universal mais um direito submetido à lógica do mercado, em que apenas aqueles que ganham mais conseguem ter acesso a ela.

Tem-se nesse contexto que o assistente social, muitas vezes, vem sendo requisitado pelo projeto privatista, entre outras demandas, a seleção socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial por meio de aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde, assistencialismo por meio da ideologia do favor e predomínio de práticas individuais. (CFESS, 2010)

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Tudo isso, quando, por outro lado, o projeto de Reforma Sanitária vem apresentando como demandas que o assistente social trabalhe questões como a democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde; estratégias de aproximação das unidades de saúde com a realidade; trabalho interdisciplinar; ênfase nas abordagens grupais; acesso democrático às informações e estímulo à participação popular. (CFESS, 2010)

Nesse sentido, tem-se que a tensão criada a partir da privatização de serviços passa a influenciar diretamente uma luta que vem acontecendo desde 1970, quando se iniciou no Brasil o processo de Reforma.

Esses seriam alguns dos dilemas e desafios encontrados pelo assistente social em sua profissão, assim como em muitas outras. Um debate que precisa ser levado a sério para que se tenha uma boa saúde pública.

A importância do serviço social na saúde mental 

Temos que as ações do assistente social na saúde mental são fundamentais. Seu conhecimento, sua participação nos planejamentos e visão para questões sociais são elementos recorrentemente necessários.

É sempre importante reconhecer esses profissionais pelo trabalho que fazem, especialmente na atenção básica, no contato com pessoas em situação de rua e na função que exercem no encaminhamento dessas pessoas.

Nesse sentido, podemos afirmar que a objetivação do trabalho do assistente social é determinada tanto pela concepção de saúde prevalecente no SUS, como pelas condições objetivas da população usuária dos serviços, o que faz esse profissional ocupar um lugar multidisciplinar, plural, de ações cooperativas e complementares, de práticas interdisciplinares.

Além disso, vemos também o importante debate que aflige carreiras pelo Brasil todo, incluindo o assistente social, que se dá na disputa entre o interesse público, social, e os interesses corporativos, do meio privado.

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Entende-se que caberia ao assistente social não só orientar sobre os direitos, mas estimular os usuários das Instituições de Saúde Mental no Brasil para que eles possam utilizar e reivindicar uma melhoria na qualidade dos serviços públicos a eles oferecidos.

A realidade da profissão não é fácil, assim como a de outras profissões também não são, mas as questões precisam ser postas e os avanços em função de uma melhor saúde pública precisam ser elaborados, desenvolvidos, da melhor forma possível.


Texto escrito com a ajuda de Isabel Bernardes Ferreira, Assistente Social do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

17 Comentários


  1. Olá Pietro, no início do seu texto você faz uma confusão de nomenclaturas: refere-se à profissão do Serviço Social como Assistência Social, esta que por sua vez é a política pública prevista na Seguridade Social (Saúde, Previdência Social e Assistência Social). A profissão que você buscou descrever a trajetória na saúde mental se chama Serviço Social e o profissional, sim, assistente social. Um beijo

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    1. Oi Isabel, e muito obrigado pela sua correção!

      É sempre importante termos o aval de todo mundo que lê nossos conteúdos. Acima de tudo, espero que tenha gostado..

      Vou realizar as mudanças! Um grande beijo!

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  2. Agradeço pelo tema abordado. Como Assistente Social, tenho interesse em conhecer mais sobre o tema Saúde Mental também nos outros países, como tens tratado em teus materiais. Se tiveres Cursos em preços acessíveis com o fornecimento de certificado, serão bem vindos também.

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    1. Bom dia, Angélica! Tudo bem com você?

      Nós é quem te agradecemos por seu comentário. Ficamos muito felizes em saber que uma Assistente Social gostou de um conteúdo nosso sobre a própria área. É gratificante! Muito obrigado por estar com a gente! Um grande abraço!

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  3. Imensamente feliz por encontrar informações sobre minha profissão neste espaço. Atuo há 07 anos com saúde do trabalhador, onde a saúde mental é o foco central. Parabéns!

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  4. Pertinente e esclarecedor o texto, bem sempre é de fácil compreensao para as partes envolvidas, o trabalho do asistente social na saude principalmente a mental, parabens

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  5. Eu sou super fã destes artigos!
    Participei de seminário internacional nem PoA, foi incrível!!!
    parabéns!!!

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  6. Fico feliz que outros profissionais se interessem sobre a matéria de Serviço Social, mas acredito que o assistente social é valorizado quando o próprio é chamado para falar sobre a profissão. Então neste caso, gostaria de ter visto um assistente social ter escrito o texto.

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  7. Exelente material! Indispensável ao profissional d Serviço Social que atua na Saúde Mental. Deixo minhas felicitações a todos os envolvidos.

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  8. Boa Noite
    Parabens pelo tema abordado contribuiu muito para meu aprendizado,faz um ano que concluir meu curso de serviço social e ainda não conhecia esse site,mais uma vez parabenizo .

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