Saúde mental na adolescência – Porque cuidar dos nossos jovens é tão importante?

Pensar sobre o tema saúde mental na adolescência não era algo comum até que se percebessem as necessidades que essa parte da população tem em relação as transformações e situações de vida inerentes ao período em que vivem, de descobertas e empolgações que podemos chamar de juventude.

Cada realidade tem suas dificuldades, cada adolescente representa um mundo único e especial, mas algo que não muda em relação a eles é a necessidade que se tem de que se tenha uma boa saúde mental para que se possa caminhar por esse intervalo de tempo de maneira tranquila, bem sucedida e longe de riscos.

Os prazeres da adolescência são incontáveis, e esse é um dos motivos pelos quais queremos abordar esse assunto no texto de hoje. Não podemos deixar que situações de vulnerabilidade, solidão, falta de apoio diante dos problemas e de uma escuta atenciosa que pense o adolescente como alguém dono de subjetividade, sejam os guias de suas vidas.

Ser adolescente é bom demais! Mas também pressupõe suas dificuldades. Ter saúde mental na adolescência pode ser um antídoto, uma ferramenta, para a desconstrução de problemas, o encontrar de soluções e a aquisição da sabedoria necessária para que se tome as decisões certas em um período de tantas decisões.

Nós precisamos, sempre, falar sobre saúde mental na adolescência!

Observação: nós não citaremos as crianças no artigo de hoje, mas é fundamental saber que as transformações em termos de saúde mental e ganho de direitos, assim como a existência de fatores de risco, são as mesmas e caminharam juntas na história para adolescentes e crianças. Um grupo não está dissociado do outra na história. Obrigado!

Saúde mental na adolescência: seu surgimento no contexto brasileiro

Historicamente, não existiam no Brasil formulações do setor de saúde mental que orientassem à construção de uma rede de cuidados a adolescentes com dificuldades psicológicas, ficando as ações de assistência, quando existiam, restritas aos setores da assistência social e da educação (Couto e Delgado, 2015).

Por muitos anos, essa parcela da população permaneceu a margem do sistema de saúde mental do país, sendo encaminhada recorrentemente a serviços de saúde geral e institutos asilares, que pouco ofereciam auxilio quando as necessidades de busca por entendimento de suas dificuldades interiores eram realmente existentes.

Essa realidade passa a mudar somente quando mudanças passam a acontecer no campo geral da saúde mental e no campo de entendimento do adolescente, que através de uma sociedade de transformações nas décadas de 1980 e 1990, conquistaria direitos e teria sua subjetividade exaltada enquanto gesto de cidadania e de responsabilidade.

Pensando a saúde mental, temos com a promulgação da Lei de Saúde Mental e a realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental uma mudança de paradigma, haja visto que as diretrizes desse âmbito se tornariam uma política nacional e se embasariam na defesa dos direitos e das vidas de pessoas passando por dificuldades psicológicas.

Além desse paradigma, a saúde mental substituiria radicalmente seu modelo de atenção e tratamento as pessoas em necessidade, saindo de um modelo fundamentado na presença dos hospitais psiquiátricos e caminhando para outro embasado em uma assistência comunitária, multidisciplinar, territorial e de valorização do ser humano.

Essas mudanças, segundo Couto e Delgado (2015), seriam uma abertura de portas para que a saúde mental na adolescência e outros temas pudessem ser discutidos e aprofundados, assim como novas lógicas de atenção e formas de entendimento a respeito da subjetividade desses jovens, antes, negligenciada.

Por outro lado, externamente à saúde mental, conquistas em termos de direitos e sociedade se constituiriam para os adolescentes com base na participação do Brasil na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU, em 1989) e na posterior criação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que sacramentaria esses grupos como grupos de diretos.

Esses acontecimentos, engendrados por movimentos sociais distintos e separados por quase uma década, foram responsáveis pela emergência de condições simbólicas e reais para a proposição da política de saúde mental para crianças e adolescentes no início do século XXI (Couto e Delgado, 2015).

Nesse sentido, a nova concepção do adolescente (e da criança), possibilitada pelo marco dos direitos humanos, permitiu a esse grupo ser reconhecido como grupo dono de questões relevantes para as políticas públicas de cuidado em saúde mental e de aspectos fundamentais dentro de sua condição enquanto sujeito psíquico.

Reconhece-se, a partir desse momento, que em relação aos outros, os adolescentes guardariam também a partilha da condição humana e a possibilidade em terem histórias de vida e experiências particulares, serem atravessados pelos enigmas da existência, sofrerem e poderem expressar, de diferentes maneiras, as suas dificuldades psicossociais (Couto e Delgado, 2015).

Os serviços públicos de atenção e as ferramentas da saúde mental na adolescência

Para que se possa entender a estrutura de cobertura potencial ao atendimento do adolescente e as ferramentas disponíveis de atenção à saúde mental na adolescência, elencamos algumas informações sobre serviços de saúde mental e serviços específicos de outros setores divididos em cinco espaços de cuidado.

Esse conteúdo tem como origem o artigo de Couto, Duarte e Delgado (2008), mas fizemos as devidas modificações em decorrência do tempo passado e das alterações e desenvolvimentos dessa rede para que as informações estivessem atualizadas com a realidade atual. São eles:

1) Saúde Mental:

a) Dispositivos de base territorial – ambulatórios de saúde mental e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em suas diferentes tipologias (I, II, III, Infanto-Juvenil e Álcool/ Drogas) –, já que mesmo aqueles não dirigidos especificamente para crianças e adolescentes recebem orientação da política para, nos locais onde não existem outros recursos da saúde mental, responder pela cobertura a esta população quando necessitada de tratamento.

2) Saúde Geral:

a) Atenção Básica/Primária, representada pela NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família) e o Programa de Saúde da Família (PSF), ícone da mudança de modelo para assistência em saúde no país, e estratégico para ações de prevenção e detecção precoce de questões ligadas à saúde mental de crianças e adolescentes.

3) Educação:

a) Estabelecimentos públicos da educação básica que incluem a educação infantil, ensino fundamental e médio – planejados para cobertura universal da população; b) Instituições filantrópicas com número significativo de estabelecimentos em todas as regiões do país que oferecem ações educacionais e de reabilitação para alunos especiais – representadas pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE).

4) Assistência Social:

a) Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), propostos em 2004 pela atual Política Nacional de Assistência Social, sob gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que têm por finalidade o desenvolvimento de ações de proteção em áreas de vulnerabilidade social, sob o princípio da intersetorialidade. b) Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS)

5) Justiça/Defesa de direitos:

a) Conselhos Tutelares (CT), estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, e encarregados de zelar pelo cumprimento dos direitos da população infantil e juvenil.

Família, traumas e violência: alguns fatores de risco da saúde mental na adolescência

Estar exposto a fatores de risco na adolescência torna-se um problema na medida em que adolescentes se encontram em situações e ambientes que podem prejudicar seu desenvolvimento psicossocial, criando dificuldades que podem se manifestar na forma de problemas de comportamento, de emoções e de convivência em sociedade (Sapienza e Pedromônico, 2005).

Diante desse saber, estudos constataram que problemas familiares, a vivência de traumas e a presença em contextos de violência de diferentes tipos estariam relacionados ao surgimento dessas dificuldades, servindo como a causa, ao lado da própria conduta individual, de desacertos envolvendo a saúde mental na adolescência (Benetti et al., 2010).

Em se tratando sobre traumas, sabemos ser comum que ao longo de nossas vidas passemos por eventos emocionalmente difíceis e que marcam nosso desenvolvimento enquanto seres humanos. O problema estaria na exposição prolongada a esses eventos, que teriam efeitos acumulativos capazes de originar dificuldades psicológicas pouco fáceis de se lidar.

A longo prazo, os traumas teriam o poder de minar a construção de uma estrutura psicossocial consistente e de criar consequências ruins para quem os vive. Donos de símbolos emocionais, os traumas ficariam marcados no inconsciente e dialogariam com a realidade das pessoas, que viveriam diversas situações influenciadas por suas existências.

No caso dos adolescentes, em meio ao período em que vivem, acontecimentos dessa natureza podem significar vezes mais do que se imagina. Desse saber, surge a necessidade de que esses jovens tenham aonde se apoiar e possam construir, tranquilamente, as ferramentas que usarão para lidar com os problemas de suas vidas.

Pensando sobre a esfera familiar, sabemos que a família surge como um fator de muita importância na promoção de saúde mental na adolescência, especialmente quando consideramos o papel da qualidade das relações familiares, que podem influenciar diretamente e de diferentes maneiras na vida e no desenvolvimento desses adolescentes.

A capacidade dos pais em oferecerem suporte, carinho e apoio emocional a seus filhos dão forma ao contexto emocional de seus relacionamentos. E diante disso, essa relação passa a servir como base para a construção de uma estrutura psicológica consistente,  que ao longo da vida desses adolescentes, os protegem de suas dificuldades e permitem com que lidem com elas de maneira positiva.

Os comportamentos dos pais, nesse sentido, quando consistem em atitudes de negligência, omissão, falta de carinho e ações agressivas, influiriam negativamente na capacidade psicológica desse adolescente, abrindo portas para o surgimento de dificuldades emocionais e outras consequências psicossociais negativas (Carvalho & Gomide, 2005 apud Benetti et al., 2010).

A importância da família e do relacionamento construtivo entre pais e filhos surge diante desse tipo de contexto. A construção de ideais, o ensino de valores e a relação afetiva e atenciosa diminuiriam as possibilidades de ambientes familiares conturbados e aumentariam as chances de que essa estrutura se desenvolvesse na vida dessas pessoas.

Em relação aos problemas envolvendo a saúde mental na adolescência e situações de violência, sabemos que em diversos países do mundo adolescentes vivem em meio a lugares em que a falta de infraestrutura e de acesso a uma boa educação influem negativamente para ambientes mais hostis, menos saudáveis e mais violentos.

Diante desses contextos, a exposição a situações de risco e mudanças emocionais drásticas por parte desses jovens, vítimas diretas e indiretas da violência, os colocariam em posições de maior disposição ao desenvolvimento de fragilidades psicológicas, que seriam expressas de diversas maneiras.

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Entendendo a falta de recursos para o enfrentamento dessa violência, variações de comportamento, medos incapacitantes e/ou dificuldades cognitivas relacionadas ao aprendizado não seriam incomuns. Nesse aspecto, essa realidade nos exaltaria uma necessidade importante de que se cuide desses jovens e de que se desconstruam as bases desses problemas que tanto afetam a vida de diferentes pessoas.

Necessidades, desenvolvimento e saúde mental na adolescência

Estar no período da adolescência envolve uma série de transformações que estarão presentes ao longo de toda a vida de uma pessoa. É nesse fase, por exemplo, que o jovem se desenvolve física e emocionalmente se preparando para a vida adulta e passa a se comportar segundo seus próprios interesses, valores e objetivos.

Ser adolescente é estar em pleno descobrimento, e talvez seja por isso que a adolescência também acabe sendo alvo de patologias da sociedade, por outro lado; quando parte dos componentes que emergem desse universo adolescente passam a ser enxergados como sinônimos de apatia, de desleixo em relação as responsabilidades da vida ou até mesmo de “doenças mentais”.

Em suma, os adolescentes acabam sendo recebedores de uma serie de demandas, ao mesmo tempo em que desafiam as lógicas dessa sociedade. Seus conflitos e dificuldades têm participado do campo social, e as pautas da adolescência tem tido uma potência cada vez maior para assumirem posicionamentos importantes em questionamentos globais (Santos et al., 2011).

Em termos de necessidades, esses jovens precisam ser ouvidos com amor, compreensão e sabedoria. Eles precisam de laços sociais consistentes, de algo que se constitua como uma rede com a capacidade de lhes proporcionar acolhimento, assim como as ferramentas necessárias para que possam enfrentar a difícil tarefa de crescer e pertencer ao mundo.

Essa estrutura deve buscar reverter também os efeitos imobilizantes que elementos como a violência, a miséria, a exclusão social e as desigualdades sempre tiveram sobre eles. Como bem descrevemos, a vivência dessas situações dificulta muito a construção de uma estrutura emocional sólida que os permita lidar com os problemas e dificuldades de suas vidas.

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Essas dificuldades que envolvem a saúde mental na adolescência, aos poucos, foram adentrando também na esfera da saúde pública, demonstrando uma necessidade que se tinha de que se investisse em formas de prevenção profissionalizada e conscientização das pessoas acerca desses enfrentamentos importantes que ocorrem dentro desse grupo.

Há, entre seus membros, a predominância de temas relacionados a  problemas individuais (autoestima…), familiares (violência…), socioculturais (desigualdade…) e biológicos (doenças…), que afetam suas vidas de diferentes maneiras e que precisam ser observados com muito carinho, dando voz para que esses jovens possam falar sobre eles.

Diante de despreparos, somente o investimento na formação de profissionais, que irão atuar na complexidade dessas demandas, e em formas de estruturar uma nova visão da sociedade em relação aos adolescentes, que valorize o entendimento solidário das dificuldades do outro, poderá ajudar no desenvolvimento de uma rede de atenção mundial ao adolescente ainda em consolidação.

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A saúde mental na adolescência, nesse sentido, deve ser pautada na transmissão de valores, saberes e na escuta atenta; estimulando a construção de espaços que favoreçam a formação desse adolescente, com direito ao crescimento e desenvolvimento saudável em todos os âmbitos desse cuidado, incluindo a presença de suas famílias e de suas comunidades (Santos et al., 2011).

Como a escuta pode transformar a saúde mental na adolescência em algo melhor?

Um dos grandes problemas que enfrentamos na sociedade hoje diz respeito a falta de escuta e de empatia que existe em relação ao outro e suas dificuldades. Muitas pessoas não se importam com isso, sejam elas pessoas comuns ou profissionais da área da saúde, e essa negligência acaba afetando também a vida de muitos adolescentes.

Mas essa visão não nasce com a gente. Nós somos ensinados que as únicas saídas para os problemas que enfrentamos na vida devem ser simples de se achar ou que devem surgir através de comprimidos mágicos que nos induzem a tomar para que as dores passem, para que o sono volte ou para que a ansiedade, instantaneamente, diminua.

Essa visão, infelizmente, é uma grande mentira, pois a vida realmente não é fácil e para a resolução de algum problema, devemos nos debruçar sobre ele e entender quais são suas origens, quando ele começou e de que formas poderemos lidar com ele sem que isso nos faça mal ou atinja diretamente a nossa preciosa saúde.

Em relação a saúde mental na adolescência, a mesma coisa acontece, e assim como para todo mundo, a escuta e a oportunidade de fala quando se busca algum tipo de ajuda pode ter um impacto positivo muito grande no entendimento e nos próximos passos a serem tomados em relação a essas dificuldades.

Se sentir ouvido é algo terapêutico, é humano e traz nossa essência de volta quando acontece. Ter a chance de falar e se abrir com um amigo, com um familiar ou com um profissional da saúde, nos ajuda a analisar nossas próprias falas e nossas próprias pendências. Resumidamente, é assim que o processo psicoterapêutico acontece.

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Estar na adolescência e não conseguir falar, não conseguir dizer aquilo que se sente no período em que mais temos algo para expressar de dentro para fora, pode ser devastador para a saúde mental do jovem. O poder da fala reside na capacidade de se expressar, e o poder da escuta, na sensação de perceber ser ouvido; de que alguém realmente se importa com você.

A escuta é transformadora e o adolescente precisa dela; de um espaço de fala e da chance da escuta. Seja na família, entre amigos ou em contato com esse profissional, se sentir ouvido é se sentir acolhido, e ser acolhido, um elemento fundamental que protege, que cura e que faz de uma saúde mental algo mais sólido e resistente.

Nesse momento da vida, tudo que queremos é sermos ouvidos. Temos ideias para passar, perguntas para fazer e também problemas para lidar, pois não somos mais as crianças que éramos. A escuta pode ser a diferença para que passemos bem por esse período. Ela é a chave para que nos sintamos menos sozinhos, menos frágeis e mais seres humanos.


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9 Comentários


    1. Bom dia, Karina! Tudo bem com você?

      Que bom você querer receber nossos conteúdos! É só você ir até o começo da página inicial do blog e inscrever seu email na nossa lista. É gratuito e automaticamente você começará a receber nossos artigos, notícias, vídeos do canal no youtube, tá bom? Um grande abraço! Obrigado por estar com a gente!

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    2. Parabéns! Conteúdo objetivo ao ler viajamos em cada parágrafo e enriquecedor. Acredito na prevenção sobre saúde mental. Esse olhar diferenciado ao adolescente é contagiante e transformador. Parabéns pelo trabalho. Sou de Rondônia.

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  1. Parabéns !!! Gostei muito do seu trabalho sobre saúde mental, muito bem elaborado.

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    1. Bom dia, Jonilda! Tudo bem com você?

      Muito obrigado pelo seu comentário! Eu e toda equipe CENAT ficamos muito felizes eu saber que você acompanha e gosta do nosso trabalho. Muito obrigado por estar com a gente! Um grande abraço!

      Responder

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