Como o Bullying afeta a Vida e Saúde Mental da criança e do adolescente

Como bem se sabe, os períodos da vida que envolvem as fases infantil e adolescente do desenvolvimento são, geralmente, períodos cheios de mudanças no comportamento, na personalidade, no corpo e também no dia-a-dia daqueles que os vivem.

Um dos ambientes que fundamentam esse contexto de novidades, normalmente, é a escola; lugar voltado para o aprendizado e o ensino, tanto de conteúdos essenciais, como o português e a matemática, quanto de conceitos mais abstratos como os de ética, respeito e compaixão.

Ao longo dos anos, temos visto relatos de casos e mais casos de agressões, físicas e verbais, de alunos para com outros alunos nesses ambientes, de forma a alterar até mesmo aquilo que concebemos quando pensamos em uma escola.

São comportamentos agressivos, constantes e que surgem de diferentes formas. Essa é a realidade das instituições que presenciam o bullying, assim como a daqueles que o sofrem.

São “zuações”, são “tirações de sarro” e atitudes graves, distintas de qualquer brincadeira sadia, e que podem acabar tendo consequências sérias na vida do outro que, tantas vezes, resiste calado.

O bullying é uma realidade brasileira, mas é também uma realidade mundial. Afeta a saúde mental e a qualidade de vida das crianças e adolescentes, e precisa ser combatido.

É um tipo de violência, mais grave do que aparenta, e necessita ser conversado; país, professores, alunos; todos precisamos falar sobre o bullying.

Uma breve história sobre a origem do conceito bullying

O primeiro pesquisador a perceber o bullying enquanto uma prática recorrente e passível de ser conceituada foi o professor Dan Olweus, durante seus estudos na Universidade de Bergan, na Noruega, no ano de 1978.

Orweus teria sido o primeiro a desenvolver critérios para a detectar a violência em forma de bullying, permitindo diferenciá-lo de outras possíveis interpretações, como brincadeiras ou incidentes comuns, inerentes a época de infância e juventude da vida normal de uma pessoa (Fonte, 2005, apud Quintanilha, 2011).

Mas ao contrário do que se poderia imaginar, a sociedade norueguesa e as autoridades da Noruega pouco dariam importância aos apontamentos realizados por Olweus como um problema social a ser combatido.

Isto aconteceria algum bom tempo depois, após o caso de suicídio de três crianças caracterizadas como vítimas de bullying em seus escolas, quando o governo norueguês (1993), pressionado pela população, realizaria campanhas contra este tipo de violência no país como forma de prevenção e também apoio àqueles em estado de sofrimento.

As campanhas surtiriam o efeito esperado, diminuindo a evasão escolar e também os índices de bullying nos ambientes escolares da Noruega (Voors, 2000, apud Quintanilha, 2011).

No entanto, como sabemos, a prática do bullying infelizmente tomou proporções mundiais, tornando-se um problema social grave, afetando a vida de milhares de pessoas. Tanto dentro como fora da escola, esse tipo de violência existe e precisa ser erradicado.

O fenômeno bullying

O conceito bullying refere-se a um conjunto de ações violentas praticadas contra um indivíduo, repetidas vezes, por uma ou mais de uma pessoa, com ou sem motivo aparente, atentando contra a integridade daquele que o sofre (Olweus, 1997).

Para caracteriza-lo e diferenciá-lo de outros tipos de comportamentos agressivos, Olweus apontou em seus estudos para a necessidade de existência de um desequilíbrio de poder na relação entre os indivíduos envolvidos.

Este desequilíbrio poderia ser em decorrência da diferença de idade, da força física, do desenvolvimento emocional e também do apoio dos colegas em relação ao agressor (Olweus, 1993, apud Chaves e Souza, 2018).

E em virtude desses fatores, a vítima não conseguiria se defender ou reagir de modo assertivo a violência que sofre (Olweus, 1997).

Em resumo, o bullying geralmente se caracteriza por três fatores principais:

  • comportamentos agressivos com o intuito de provocar danos intencionalmente;
  • tais comportamentos ocorreriam repetidas vezes;
  • trata-se de uma relação interpessoal que apresenta desequilíbrio de poder (Olweus, 1993,1997 apud Chaves e Souza, 2018).

Para além dessas classificações, os estudos entorno da violência que representa a prática do bullying ampliaram seu conceito, tornando-o mais complexo ao mesmo tempo que completo também.

O bullying atualmente pode ser classificado como direto ou indireto. A violência direta diz respeito as agressões físicas e verbais explícitas, facilmente reconhecidas no ambiente em que são desempenhadas.

Já a violência de caráter indireto, diria respeito a exclusão intencional do grupo e ao espalhar de rumores; sendo esse segundo tipo de comportamento mais encontrado entre as meninas do que entre os meninos como apontaram estudos.

Nesse contexto, existiriam também os papéis característicos daqueles que, direta ou indiretamente, participariam do bullying.

A autora Cleo Fante (2005) define os cinco papéis principais desempenhados na prática do bullying como: vítima típica; vítima provocadora; vítima agressora; agressor e espectador.

  • A vítima típica, normalmente, sofreria calada, não reagiria as agressões e também não pediria ajuda aos colegas, pais ou professores na tentativa de alterar a situação.
  • A vítima provocadora, diferente da típica, provocaria mais reações de agressividade na medida em que provocaria seus agressores de volta, mas sem sucesso.
  • A vítima agressora, diferente das outras duas, tentaria transferir os maus tratos sofridos para outras vítimas consideradas “inferiores”, também por meio do bullying, fazendo da prática um ciclo de violências.
  • Já o agressor, necessariamente exercendo poder sobre sua vítima, seria o praticante do ato. Uma espécie de legitimidade construída por meio do medo e do “respeito” a essa pessoa faria com que ela continuasse a reproduzir tal comportamento.
  • E por último, o espectador, que passivo observa o bullying sem se manifestar efetivamente, normalmente por medo de acabar se tornando a próxima vitima das agressões físicas ou verbais.

Para além das formas mais comuns do bullying, se faz importante atentar também para seu formato “online”, que recebe o nome de cyberbullying.

De acordo com Cabral (2008, apud Quintanilha, 2011), o cyberbullying seria um tipo de bullying melhorado.

A prática seria realizada por meio da internet buscando humilhar e ridicularizar alunos, professores, colegas e até mesmo pessoas desconhecidas. A difusão do ato nesses meios seria extremamente maior.

As consequências do bullying para a saúde mental das crianças e dos adolescentes

Por apresentar os tipos de violência física e psicológica, o bullying costuma trazer consigo efeitos de curto e longo prazo para todos os participantes, sejam eles diretos ou indiretos.

A curto prazo, pode-se considerar que a vítima apresente insônia, reações psicossomáticas, pensamentos depreciativos e dificuldades na interação com os demais colegas.

A longo prazo, a vítima pode apresentar dificuldades em se relacionar com outras pessoas e as agressões que experienciou podem influenciar no surgimento de quadros depressivos e, possivelmente, em episódios mais graves, levar ao suicídio.

Com relação ao agressor, pode haver em curto prazo a consolidação de uma conduta autoritária que implicará em consequências mais adiante, como dificuldades de relacionamento em virtude de um histórico de comportamentos agressivos.

Ao longo da vida, o agressor também pode se tornar propenso a cometer atos infracionais, dado o pouco auxilio que recebe e as prováveis atitudes violentas também sofridas por ele durante seu desenvolvimento em decorrência de questões familiares e afins.

Quanto aos demais envolvidos, é possível que desenvolvam problemas de relacionamento interpessoal no decorrer da vida, mesmo que não tenham tido participações ativas nas agressões.

(Fonte: Fante, 2005; Pereira, 2008, apud Chaves e Souza, 2018)

Como identificar casos de bullying

Muitos casos sequer chegam ao conhecimento da direção da escola, pois alunos costumam silenciar esse tipo de problema. 

Por outras vezes, agressões podem ser “camufladas” e justificadas como simples brincadeiras, o que não diminui a gravidade das mesmas. 

Assim, é preciso que a instituição de ensino aprenda a identificar o bullying por conta própria, observando alguns sinais que podem indicar problemas.

Uma vítima de bullying pode apresentar os seguintes sinais:
  • Tristeza e Apatia
  • Medo de ir á escola / Queda do desempenho escolar
  • Isolamento social
  • Mudança de hábitos drástica sem explicação aparente

Por outro lado, agressores são, em geral, pessoas que costumam agir violentamente com colegas e professores e que tentam se colocar em posição de superioridade em relação ao grupo. 

Ao identificar esses sinais em vítimas ou agressores, a escola precisa averiguar a situação, a fim de compreender se realmente se trata de um caso de bullying que deve ser tratado.

(Fonte: Wpensar)

Os dados e estatísticas acerca do bullying

Em análise de mais de 20 artigos, incluindo estudos nacionais e internacionais, tratando sobre a questão do bullying, Pigozi e Machado (2014) reuniram dados de importância a seu respeito, compilando-os em um único artigo bem organizado e de excelente qualidade.

Dentre os dados nele expostos, temos que em um estudo realizado com mais de 60.000 escolares nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal, 5,4% dos estudantes relataram sempre terem sofrido bullying ao longo de suas vidas, fornecendo-nos um número aproximado de quase 4000 pessoas (PeNSE, 2009, apud Pigozi e Machado, 2014).

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Em outro estudo realizado com 5.500 estudantes, 40,5% destes estavam envolvidos em atos de bullying, sendo os alvos 16,9% desta amostra, os autores 12,7% e os alvos/autores 10,9% (Lopes, 2003, apud Pigozi e Machado, 2014).

Os números são espantosos, ainda mais se pensarmos que essa realidade ainda existe, mesmo com todas as medidas tomadas em prol da conscientização e prevenção contra os atos de violência em forma de bullying.

Na Coréia, por exemplo, em estudo realizado em escolas coreanas no ano de 2004, constatou-se que, dentre 1756 estudantes do país, 40% destes estavam envolvidos com o bullying, sendo 14% vítimas, 17% agressores e 9% vítimas/agressores (Kim, 2004, apud Pigozi e Machado, 2014).

Nos Estados Unidos, em pesquisa feita com 15.686 estudantes americanos com idades entre 6 e 10 anos, tanto em escolas públicas quanto em escolas privadas, revelou-se que 29,9% dos escolares estavam envolvidos de forma moderada ou frequente em situações de bullying (Jama, 2001, apud Pigozi e Machado, 2014).

Desse número, 10,6% foram considerados vítimas, 13% foram considerados agressores e 6,3% estavam em ambos os grupos.

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Um outro dado bastante interessante diz respeito ao envolvimento em situações de bullying com relação aos gêneros.

Em mais de três dos estudos exibidos, a prevalência maior desses casos estaria mais associada ao sexo masculino do que ao feminino, sendo também o sexo masculino o que mais sofreria com o bullying.

As meninas perceberiam a agressão através das palavras “assédio, desrespeito, falta de educação, dor e inimizade”, enquanto os meninos por meio das palavras “roubar, matar, falar palavrão, bater e bagunça” (Araujo e Coutinho, 2012, apud Pigozi e Machado, 2014).

Para além dos dados demonstrados, o bullying surgiria também como uma maneira de elevar o status pessoal perante ao grupo.

Ademais disso, cinco dos estudos presentes no artigo mostraram que os adolescentes subestimam a seriedade e a gravidade do bullying, possivelmente por falta de orientação em relação a ele.

A falta de compreensão dos jovens sobre o que é o bullying e suas consequências, parece ser um dos importantes aspectos que contribuem para sua reprodução (Pigozi e Machado, 2014).

As possíveis intervenções como forma de prevenir ou erradicar o bullying

Em primeiro lugar, é importante destacar que em abril desse ano, o senado federal aprovou o projeto de lei que incluiu entre as atribuições das escolas a promoção da cultura da paz e medidas de conscientização, prevenção e combate a diversos tipos de violência, incluindo o bullying.

Fundamentalmente, a educação e a conscientização são as melhores ferramentas para que se reverta os quadros sociais negativos propiciados pela prática do bullying.

Mas além disso, deve-se ter em mente o papel que os pais e familiares de crianças e adolescentes têm com relação a esses tipos de comportamento. O primeiro contato de uma pessoa com princípios da educação acontece em casa, e isso é muito importante salientar.

A peça chave nesse luta vem da interdisciplinaridade, quando temos os sistemas de saúde e educação trabalhando juntos, assim como as famílias e as comunidades minimamente preparadas para oferecerem os suportes que delas se esperam.

Quanto mais for extensa a rede intersetorial de estratégias e políticas públicas, maior e mais eficaz serão os cuidados a saúde mental dos jovens.

Ações de manejo e controle simplesmente não se tornam efetivas também se a questão da violência não é abordada em si, e se estereótipos, construídos pela sociedade, não forem trabalhados (Pigozi e Machado, 2014). 

Acredita-se que estereótipos geram e também fomentam a intolerância. Sabe-se igualmente que o preconceito/bullying toma corpo e cria potência onde há intolerância e qualquer tipo de comportamento semelhante.

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São pontos a serem discutidos e discussões a serem elaboradas. A educação e a conscientização do jovem devem estar sempre em primeiro lugar. O ensino e a demonstração dos significados de compaixão, respeito e afeto, também.

A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) sugere as seguintes atitudes para um ambiente saudável na escola:

  • Conversar com os alunos e escutar atentamente reclamações ou sugestões;
  • Estimular os estudantes a informar os casos;
  • Reconhecer e valorizar as atitudes da garotada no combate ao problema;
  • Criar com os estudantes regras de disciplina para a classe em coerência com o regimento escolar;
  • Estimular lideranças positivas entre os alunos, prevenindo futuros casos;
  • Interferir diretamente nos grupos, o quanto antes, para quebrar a dinâmica do bullying.

Reflexões sobre o bullying

Como foi deixado claro, será sempre necessário trabalhar a consciência social em conjunto.

Estamos em progresso, mas nos encontramos longe do considerado ideal. Temos muito o que desenvolver para combater esse tipo de violência, seja nas escolas ou em qualquer outro lugar em que ela se dê.

Desde os pais e professores, até os alunos, todos devem estar cientes dos males que a violência em forma de bullying pode ter para as pessoas, principalmente no que concerne a saúde mental.

A recriminação difícil irá atingir a raiz desse problema e impossibilitará as sociedades a alcançarem a real superação dele. Não se combate violência com mais violência, mas sim com inteligência, planejamento e respeito.

A estrutura criada pelas agressões que fazem parte do fenômeno bullying foi erguida ao longo dos anos no ideário social e nesse sentido, só poderá ser desconstruída de acordo com o tempo.

Estamos, atualmente, bem distantes da onde estávamos em um sentido positivo, mas chegar ao hoje exigiu calma e sabedoria. A prevenção foi um dos elementos que possibilitou o caminhar e o afastamento da sociedade brasileira em relação as práticas de bullying.

Mas no final, somente por meio da união, da educação e do planejamento conjunto é que conseguiremos, enquanto um coletivo, atingir os objetivos que pretendemos com relação ao bullying e a preservação da saúde mental da criança e do adolescente.


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6 Comentários


  1. O bullying atualmente pode ser classificado como direto ou indireto. A violência direta diz respeito as agressões físicas e verbais explícitas, facilmente reconhecidas no ambiente em que são desempenhadas.A vítima típica, normalmente, sofreria calada, não reagiria as agressões e também não pediria ajuda aos colegas, pais ou professores na tentativa de alterar a situação. Mais Atualmente algumas pessoas n falam pra seus pais ;-; e com isso fica difícil da pessoa se protege.Desde os pais e professores, até os alunos, todos devem estar cientes dos males que a violência em forma de bullying pode ter para as pessoas, principalmente no que concerne a saúde mental.

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    1. acho que nas escolas há um pouco de negligência em relação ao bullying. Acho que as punições devem ser mais severas. No colégio militar só fazem bullying aqueles que querem ser expulsos, pois as punições são bem severas. acho que os primeiros a ficarem sabendo do ato de agressão devem ser os pais, tanto da vítima quanto os do agressor. Só assim os pais poderão educar os filhos.

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  2. Esse texto é uma boa explicação para a pessoa que está procurando um bom jeito de lidar com o bullying e se enformar dos perigos e das coisas que podem gerar um bullying.

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  3. O BULLYING ATÉ HOJE NÃO TERIA TOMADO TANTAS FORMAS SE FOSSE COMBATIDO QUANDO
    AINDA SE DIZIA QUE É COISA DOS JOVENS DE HOJE, POIS ELE DEIXA MARCAS AO LONGO DOS ANOS, CAUSA DEPRESSÃO, DESEJOS SUICIDAS!! E POR FAVOR QUEM DIZ ABERTAMENTE QUE ISSO É FRESCURA , MELHOR E FAZ MUITO BEM FICAREM CALADOS!!! NÃO É POR ESTARMOS EM UM MUNDO TOTALMENTE DIFERENTE DO PASSADO QUE ELE DEIXOU DE EXISTIR !!! HJ ELE TEM NOME E FORMAS DAS MAIS DRÁSTICAS POSSÍVEIS.

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