Entendendo como abordar e dar apoio a alguém que Ouve Vozes

PRIMEIRA ENTREVISTA – Construindo um relacionamento

A primeira abordagem com um ouvidor de vozes, durante uma consulta, deve ser focada brevemente em trocas a respeito de diversos assuntos, ou em uma conversa livre, no sentido de reforçar um sentimento de aproximação, de familiaridade.

O ouvidor é uma pessoa que se esforça muito para ouvir, mesmo quando se esta próximo a ele, pois ele já ouve ao mesmo tempo de duas a quatro/cinco vozes simultaneamente, e esta é uma situação que desestabiliza o foco da atenção.

A primeira fase de  uma entrevista com o ouvidor deve ser curta, a fim de ganhar confiança para, em seguida, começar a trabalhar a questão das vozes.

O ouvidor vive, no confronto com o psiquiatra, um teste, em que deve demonstrar que consegue manter uma conversa e responder ás perguntas feitas, tudo isso ouvindo o mínimo das vozes.

Enquanto esta havendo a interação com o ouvidor, é bem provável que ele já esteja tendo uma discussão paralela com as suas próprias vozes. Por esta  razão, o seu rosto pode, de repente, mudar de expressão sem  nenhuma razão.

Em outros casos, a postura do corpo e do rosto do ouvidor pode se manter visivelmente apática, porque assim o ouvidor consegue esconder o humor que está vivendo interiormente.

A abordagem para a compreensão desse fenômeno, por parte daqueles que estão em relacionamento com o ouvidor, deve estar livre de esquemas mentais e posições pessoais, estereótipos ou preconceitos.

O objetivo a curto prazo, nesta primeira abordagem, é de fazer o outro falar de si mesmo, e de como vive suas dificuldades, ajudando-o com perguntas do tipo :

  • Qual explicação você da a si mesmo sobre o fato de você ouvir vozes?
  • Você tem uma explicação única para todas as vozes ou você dá uma explicação para cada voz ?
  • Nesses últimos dias, que vozes você está ouvindo?
  • Quantas você ouve?
  • Qual foi a primeira vez que você ouviu uma voz?
  • Que dia era?
  • Como você se sentiu quando ouviu?

No momento mais adequado, é importante informar ao ouvidor a razão pela qual se está fazendo todas essas perguntas, que em um primeiro momento podem parecer uma entrevista, mas são pelo simples fato de tentar entender como ele vive esta experiência desde o início.

Então, é necessário fazê-lo entender que não se trata de uma entrevista, e que a intenção é especular sobre a sua experiência, por meio da identificação de alguns primeiros detalhes.

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Se o ouvidor está com dificuldade em expor esses aspectos abertamente, ou não se sente a vontade em explicá-los , é importante argumentar que aquele não é um espaço de respostas precisas, e que ele não é objeto de julgamento e nem de submissão.

Se o ouvidor percebe uma situação mais ou menos hostil, ela pode causar nele uma reação não só de maior ansiedade, como também de pressão para que ele encontre uma “ resposta adivinhada” que o libere da posição de em que sente se encontrar.

Enquanto são feitas perguntas, é necessário ir além do que o ouvidor, nesse momento, está respondendo, talvez, concentrando-se mais nas questões que o ouvidor traz, e tudo sem meias palavras ou grandes discursos, porque o ouvidor de vozes pode ter uma baixa autonomia de concentração para regular o que ouve de uma só voz.

O objetivo da conversa, e é importante deixar claro, não é julgar ou libertar ninguém da própria responsabilização, mas sim entender como um ouvidor vive a sua própria experiência.

A consulta realizada por um profissional tem uma finalidade diagnóstica, na qual um possível distúrbio e os sintomas evidenciados servem para compreender melhor a estrutura da linguagem das vozes, mas não se deve tentar, a qualquer custo, classificar o sujeito em uma patologia.

Certamente existem ouvidores que gostam e se sentem seguros quando são enquadrados em uma caixa bem específica de diagnóstico. O importante é que não seja feito o enquadramento a priori, pois isso poderia fazer escapar o essencial daquela vivência.

SEGUNDA ENTREVISTA – A especificidade da experiência

A segunda entrevista deve ocorrer de uma a quatro semanas, no máximo. Isto é importante para dar tempo ao ouvidor de compreender plenamente as suas próprias intenções no trabalho com suas próprias vozes.

Nesta fase, aprofunda-se, de fato, na experiência, colocando ao ouvidor novamente algumas questões já colocadas no estudo anterior, necessárias para retomar algumas peculiaridades.

Preparando-o para aprofundar a experiência

A experiência das vozes nunca foi enfrentada pela psiquiatria com a profundidade especifica da própria experiência.

Ao longo de sua história, o acolhimento dos necessitados foi bastante institucionalizado em geral, de modo a dar algum tipo de organização para o que, até então, tinha sido tratado como uma mera questão de caridade.

Atualmente, vive-se em uma sociedade que parece ter tomado maior consciência da importância existente nas relações de ajuda, para além das essencialmente terapêuticas.

Valorizar a experiência, enquanto experiência em si, é definitivamente uma forma de se criar uma ponte de intercomunicação entre o ouvidor e seus cuidadores.

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Duas personalidades totalmente diferentes, com experiências e habilidades diferentes, podem finalmente produzir solidariedade altamente profissional e de qualidade, com valores humanos elevados.

Esta deve ser a base sobre a qual construir as ações de corresponsabilização para resolver o problema das vozes.

As  perguntas que a seguir oferecem, para ambas as partes , uma oportunidade de viver em conjunto a experiência das vozes:

  • Agora, neste momento, você ouve suas vozes?
  • Hoje, quantas horas você dedicará para escutá-las?
  • Além de ouvir vozes, você também tem visões?
  • Você acredita que toda visão coincide com uma voz?

O elemento substancial desta abordagem é a construção de um relacionamento dinâmico. Mas nunca devemos negligenciar o fato de que o ouvidor pode ter uma limitação de concentração e de escuta.

Se ele reagir respondendo às perguntas rapidamente e com poucas palavras,  isso pode significar que provavelmente ele esteja escutando suas vozes. Se, no entanto, ele responder em detalhes, significa que aquele diálogo com o médico, ou terapeuta, ou profissional da saúde mental, o distraiu de suas vozes.

Assim, para respostas rápidas, devem ser feitas perguntas rápidas, enquanto que para respostas detalhadas, devem ser realizadas propostas e perguntas que solicitem um aprofundamento no assunto tratado.

Compreender o ambiente de surgimento das vozes do ouvinte pode ser outro elemento de grande ajuda na construção de um novo ambiente para ele, um em que ele possa se comunicar com suas próprias experiências.

O ouvidor, juntamente com o terapeuta, poderá se tornar cada vez mais consciente do seu problema , e será conduzido a vê-lo mais claramente:

  • Como você as ouve?
  • Quantas são normalmente?
  • Elas falam uma de cada vez?
  • Como elas falam com você? Que tom elas usam?
  • Você as ouve igualmente ou ouve algumas melhor do que as outras?
  • Em sua opinião, de onde vêm estas vozes?

A razão pela qual se deve realizar uma entrevista com alguém passando pela experiência de ouvir vozes surge da possibilidade de que esse alguém, a princípio, talvez não tenha sido capaz de adaptar-se a essa experiência sozinho a ponto de entendê-la.

Assim, a obrigação do terapeuta seria a de assumir o compromisso de ajudar a pessoa em questão, a fim de implementar uma adaptação de sua linguagem pessoal de comunicação para a linguagem de suas vozes, permitindo esse tipo de entendimento e conexão com a própria experiência.

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O envolvimento deve ser humanizado, mas sempre profissional. Um bom equilíbrio entre as posições do especialista e do ouvidor pode ser fixado por meio de uma linguagem simples e verdadeira, fazendo do relacionamento construído algo significativo.

Ao final desta entrevista, é apresentada uma lista de  perguntas para orientar e conduzir o ouvidor a assumir o controle pleno das ações de enfrentamento diante as vozes.

Fica a cargo do terapeuta discutir esta lista durante a consulta ou deixar como tarefa de casa para ouvidor.

  • Quanto tempo por dia você passa com as vozes?
  • Quantas vozes você decide voluntariamente a ouvir?
  • Quantas vozes você ouve?  Quem são elas? Que nome você deu a elas?
  • Elas têm um tom de voz que você conhece?
  • Escreva em detalhes o que suas vozes te dizem (a pessoa decide quanto tempo por dia vai dedicar a ouvi-las para fazer esse trabalho de transcrição)
  • Descreva como você se sente, após ouvir o conteúdo de cada uma de suas vozes.

Texto retirado do livro “Ouvir Vozes: Manual de Enfrentamento”, da autora italiana, Profa. Cristina Contini.

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