Saúde Mental Indígena: Um caso de Conquistas e Necessidades

A história indígena no Brasil começa antes mesmo de se conhecerem as terras que formam o país que nomeamos como nosso ao longo dos anos.

A colonização portuguesa se da como ameaça a cultura e as tradições dos povos nativos em 1500, com a morte de milhões de índios e o início do desmatamento das zonas verdes brasileiras, tão bem cuidadas em tempos anteriores aos da chegada dos europeus.

Anos se passam e, muito felizmente, a população indígena brasileira ressurge aos poucos aumentando seu contingente, se recuperando, passo a passo, dos traumas sofridos.

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Conquistam direitos que na realidade sempre foram seus, lutam por espaços nos sistemas educacionais, jurídico-legais e de saúde do Brasil, e com a constituição de 1988, atingem uma serie desses objetivos.

Dentre eles, o respaldo a saúde mental de seus grupos, cidadãos reconhecidos, mesmo que em formato de progresso lento, tendo em vista os índices de suicídio e falecimento indígena em decorrência de questões de saúde mental.

O post de hoje objetiva dar vasão maior a esse caso, da saúde mental indígena, tão negligenciada, ainda hoje, pelo Estado brasileiro e suas ações que pouco auxiliam a combater, por exemplo, o etnocídio dessas populações.

Apoiamos a luta indígena! Conheça um pouco mais dessa história!

Um pouco sobre a trajetória da Saúde Mental Indígena no Brasil

A saúde indígena no contexto brasileiro passou a ter um maior respaldo a partir da instauração dos Distritos Sanitários Indígenas (DSEIs), em 1999, pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), do Ministério da Saúde (MS), surgindo estes como espaços a serviço da conscientização, do auxilio e da instrução dessas populações sobre assuntos relacionados a questões mais gerais da saúde.

Antes disso, o atendimento aos povos indígenas não era uma prioridade, e os serviços de saúde não contavam com uma política clara, que guiasse a relação profissional/comunidade no planejamento e atendimento a essas populações (Langdon, 2005), deixando de levar aspectos importantes desses relacionamentos em consideração.

Anos de lutas foram precisos para que reformas acontecessem em prol dos povos indígenas brasileiros, até que com a promulgação da Constituição de 1988, mudanças legislativas aconteceriam de forma a beneficiar, de maneira justa, a infraestrutura, até então pouco existente, de cuidados específicos com a saúde indígena como um todo.

Um dos marcos mais recentes dessa história deu-se em 2007, quando a FUNASA, em consonância com os objetivos indígenas, estabeleceu as diretrizes para a fundação da Política de Atenção Integral á Saúde Mental dos Povos Indígenas em formato de documento.

Essa política visava garantir atendimentos diferenciados as comunidades, tendo em vista que seria necessária a capacitação dos profissionais e, sobretudo, o fomento de pesquisas nas áreas, contemplando as especificidades de cada etnia, valorizando e construindo novas relações não só com os diferentes grupos, mas também para com seus saberes tradicionais (Queiroz, 2014).

Apesar do contexto de vitórias, tem-se que a saúde mental indígena ganha ainda maior visibilidade não só por suas conquistas, mas também em decorrência do aumento nas taxas de suicídio, de abuso de substâncias alcoólatras e psicoativas dessas populações no Brasil.

O exemplo trazido pela especialista Marianna Queiroz em sua tese de mestrado ilustra esta realidade de vulnerabilidade por parte dos cidadãos indígenas.

A autora mostra que, em pesquisa realizada no ano de 2014 e vinculada ao Mapa de Violência do Brasil do mesmo ano, a cidade de São Gabriel da Cachoeira, majoritariamente composta por indígenas, teria alcançado o primeiro lugar como município com o maior número de casos de suicídio do Brasil.

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A pesquisa teria revelado que, entre 2008 e 2012, a taxa de suicídios na cidade fora de 50 casos por cada 100 mil habitantes, dez vezes maior do que a média brasileira, tendo ainda como dado que, entre todos que tiraram suas próprias vidas, 93% eram índios.

Outro dado alarmante encontra-se nas informações obtidas em 2014 pelo Conselho Indigenista Missionário, que contabilizou o número triste de 73 suicídios cometidos por indígenas em 2013 no Mato Grosso do Sul, superando os números anteriores e tornando-se o maior dos últimos 28 anos desde aquele momento.

A realidade indígena no Brasil preocupa, e apesar dos muitos esforços mobilizados por todos trabalhando em prol do bem estar de todas estas populações que compõem o povo brasileiro, sente-se ainda que há muita falta de infraestrutura e descaso governamental para com a situação das comunidades indígenas, e que muito ainda precisa ser feito.

SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena

Fazendo parte do pacote de medidas representado pelo documento criado em parceria entre a FUNASA e o Ministério da Saúde, a SESAI surge em 2010 como meio de se concretizar aquilo que fora estabelecido ali de maneira mais estruturada e integrada às comunidades indígenas, como era previsto.

Tendo como objetivo coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS), as atribuições da SESAI seriam muitas e de tamanha importância para essas comunidades.

Entre elas, se destacariam algumas como, o desenvolver de ações de atenção integral à saúde indígena, de educação em saúde, ambas em consonância com as políticas e os programas do SUS.

Estas, sempre observando as práticas de saúde tradicionais indígenas, assim como o realizar de ações de saneamento e edificações de saúde indígena em seus diferentes territórios.

Da mesma maneira, o mapeamento do território, as ações de matriciamento, a avaliação e monitoramento dessas áreas, a articulação de redes e as intervenções em saúde mental (rodas de conversa, grupos temáticos, oficinas, visitas domiciliares, atendimentos individuais e familiares, educação em saúde…); todas estas atividades ficariam também por conta da Secretaria Especial e de seu corpo técnico.

É importante salientar também que na SESAI existe uma área técnica de saúde mental composta por profissionais da área, sendo eles psicólogos, antropólogos, assistentes sociais, entre outros.

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Essa diversidade se aplicaria tanto aos Distritos Sanitários Indígenas quanto na sede da secretaria, ambos sendo locais de planejamento com relação ás ações a serem tomadas dentro dos diferentes contextos das comunidades indígenas.

Diversas frentes, baseadas em variadas metodologias, são elaboradas, de acordo com o contexto e a urgência de cada demanda.

Levando em consideração a complexidade inerente ao tema, as práticas institucionais da SESAI em saúde mental ainda estariam em gradativa e constante construção (Queiroz, 2014).

Por esses muitos motivos, o trabalho do SESAI, junto aos trabalhos realizados por outros órgãos responsáveis pela saúde dos povos indígenas, é extremamente importante.

Um trabalho difícil, realizado por pessoas que se dedicam realmente a esta causa e que precisa ser sempre valorizado, lembrado e colocado em pauta.

Ajudando na Saúde Mental Indígena – Uma reflexão

Muitos estigmas precisam ser quebrados quando tratamos dos povos indígenas, que assim como quaisquer outros brasileiros, também vivem e fazem parte da sociedade da qual todos nós somos membros.

A ideia de se lidar com a saúde mental indígena é muito mais uma obrigação e uma necessidade, dado todo o histórico traumático e as condições precárias nas quais estes povos vivem, do que realmente uma ideia.

Em um país de composição e história indígena, é extremamente triste ver como questões políticas e econômicas interferem diretamente na vida e na saúde dessas populações. O etnocídio é uma questão real e que precisa ser combatida por todos nós.

Pensar na problemática indígena sem preconceitos, com compaixão, já pode ser um bom início pra quem nunca o fizera antes. A cultura indígena também faz parte da nossa raiz, da raiz brasileira, e nós temos que valorizar muito isso.

Mesclar o conhecimento ocidental com as técnicas de cura e saúde praticadas a anos e anos pelas comunidades indígenas é sim uma tarefa difícil, mas como foi dito acima, tem muita gente que o faz.

São pessoas que o fazem porque acreditam, assim como todos os brasileiros deveriam acreditar, que essa parte do todo que são as comunidades indígenas não tem mais viver negligenciada.

Essa mensagem se encaixa em outros casos também, de grupos que sofrem tanto com a violência, com maus tratos e com o descaso social; mas aqui, agora, pensemos no caso dos indígenas do Brasil.

De pouco em pouco podemos construir uma saúde mental boa para todos.


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3 Comentários


  1. Prezado Pietro N. Portela,
    Seu artigo sobre saúde mental indígena tem o mérito de levantar essa espinhosa questão, trazer para conversa autores clássicos do debate da Intermedicalidade neste encontro de culturas da medicina ocidental com os povos indígenas (Langdon), reconhecer os avanços conquistados na constituição 88 e com o decorrente subsistema de saúde indígena, reconhecer o empenho e dedicação da SESAI, cujos membros procuram fazer o melhor possível em um contexto totalmente desfavorável.
    Mas o artigo omite o principal nó crítico desta questão, que é a estreita relação entre os dados epidemiológicos (número de suicídios por exemplo) e os retrocessos com a atual política nacional de ataque aos direitos indígenas, direitos a sua terra e consequentemente a sua cultura, sua medicina ancestral etc, negados pela atual política nacional fundiária. O caso dos suicídios dos indígenas no MS denunciados pelo CIMI e citado no seu artigo é exemplar disto. No entanto, em seu artigo essa conexão não é feita, como o artigo tem um foco nos avanços da prestação de atendimentos aos indígenas, cria uma impressão subentendida que o que falta é mais assistência médica ou psicológica ou qualquer tipo de “assistência” que evitaria esse “problema mental”, quando na verdade o que fica escondido, velado, é uma disputa política.
    Um projeto nacional de etnocídio dos povos indígenas está em curso a pleno vapor agora, como fortemente denunciado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e no último acampamento “Terra Livre” de ocupação dos indígenas em Brasília na “semana do índio”, não relacionar isso com a “saúde mental indígena” pode ser conivência, ou uma abordagem tecnicista que não considera a saúde mental como um campo de práticas sociais politicamente disputadas.

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    1. Bom dia Professor Ricardo! E muito obrigado pelo seu excelente comentário!

      Concordo com você. Fazendo uma releitura do artigo, acabei deixando subentendida essa questão da disputa política que é tão importante para méritos da questão indígena brasileira. O descaso, a disputa de interesses, tudo isso influencia na vida indígena e sempre para o lado negativo. Quando escrevi o artigo, não quis expressar conivência com tais questões, mas sim lançar luz sobre a situação indígena e aquilo que existe em prol dela, mesmo não tendo sido explícito quanto minhas críticas ao Estado brasileiro.

      Agradeço mesmo pelo sua crítica construtiva. Irei adicionar um parágrafo lembrando da importância que as questões políticas tem na questão indígena. Combater o etnocídio também é uma função de todos!

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