A Política Nacional de Saúde Mental e tudo que você precisa saber sobre ela

Após anos de luta e dedicação por parte de gerações de brasileiros, de pessoas que viveram parte de suas vidas em função do desenvolvimento de tratamentos dignos em saúde mental para pessoas em sofrimento psicológico, conquista-se, ao final da década de 90, a concretização de uma nova política nacional de saúde mental.

Baseada nos princípios da Reforma Psiquiátrica, de cuidados humanizados e estabelecimento de direitos àqueles em estado psíquico conturbado, ela tornou-se um marco e exemplo para a saúde como um todo.

De tratamentos desrespeitosos, invasivos e pouco qualificados em termos científico-metodológicos e sociais; de manicômios e hospitais psiquiátricos como ambientes de exclusão e nenhuma inclusão social; a maneira como se passa a olhar para a saúde mental no Brasil se altera completamente.

A política nacional de saúde mental deve ser levada em consideração em todo tipo de tratamento a ser realizado desde o dia em que foi institucionalizada. As pessoas devem saber dela; usuários, familiares, profissionais e cidadãos.

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O processo de instituição da política nacional de saúde mental no Brasil

Como dito acima, foi somente após anos de luta, de batalhas travadas social e institucionalmente pelo movimento da Reforma Psiquiátrica e por figuras anteriores a ele, que conquistas em saúde mental foram de fato alcançadas – como no caso da própria política nacional de saúde mental.

Tratando do processo, é na década de 90 que reivindicações do movimento antimanicomial seriam impulsionadas pelo Projeto de Lei n° 3.657, apresentado pelo então deputado federal, Paulo Delgado, que visava a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais em saúde mental.

A proposta era a de que serviços substitutivos se tornassem um conjunto de estratégias que efetivamente ocupassem o lugar dos grandes hospitais psiquiátricos e não fossem somente serviços adicionais, alternativos ou paralelos a esses, como era recorrente da época (Amarante, 2007).

No entanto, a lei, que objetivava dar passos em direção a conquista do que almejavam todas as pessoas lutando por melhoras nas condições de tratamento em saúde mental no Brasil, não seria consolidada de primeira, muito menos em poucos anos.

Algumas conquistas ficariam mais próximas, por exemplo, com a promulgação da Constituição de 1988, assim como com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, que assegurariam a saúde como um direito de todos e um dever do Estado brasileiro.

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Nesse momento, criam-se novas expectativas e o olhar para a saúde entra de fato em processo de mudança, quando, em 2001, instaura-se a Lei 10.216 – uma ampliação do primeiro PL do ex-deputado, Paulo Delgado.

Consolidam-se por meio dela os procedimentos de desligamento dos antigos hospitais psiquiátricos, a consolidação de direitos em benefício dos cidadãos em dificuldades psicológicas e uma série de outros decretos positivos em relação a assistência, acesso e direitos para todas essas pessoas e suas famílias.

Após a implementação da Lei, segue um período de intensa formulação de regulamentações, com destaque para a criação dos CAPS nas suas diferentes modalidades (adulto, infanto-juvenil e álcool e drogas), que se tornariam serviços de referência territorial no cuidado à saúde mental do Brasil (Zanardo, Leite, Cadoná, 2017).

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Nesse contexto, novos programas seriam criados e medidas seriam tomadas, ampliando alguns esforços. O Programa de Volta para Casa, a ampliação dos Serviços Terapêuticos Residenciais e a estruturação da Política de Atenção Integral ao Usuário de Álcool e Drogas, seriam exemplos do ano de 2003.

A política nacional de saúde mental forma-se de acordo com esses episódios. A consolidação da Lei 10.216 e os princípios da Reforma Psiquiátrica dão diretrizes para o seu desenvolvimento, sempre em busca da consolidação de direitos, da ampliação do acesso e de uma melhor saúde mental para todos.

A multidisciplinariedade como elemento fundamental da política nacional de saúde mental

Ao romper com o modelo psiquiátrico clássico que regia os atendimentos nos hospitais psiquiátricos, a política nacional de saúde mental baseando-se nos preceitos da Reforma Psiquiátrica cedeu espaço para a multidisciplinariedade e o olhar para o próximo adentrarem a saúde mental brasileira.

O trabalho em equipe passou a ser incentivado nos serviços assistenciais. Profissionais de diferentes áreas passaram a trabalhar em função do bem-estar do indivíduo e as orientações sobre esse aspecto do trabalho tornaram-se muito mais presentes.

Diante das novas demandas, a política nacional de saúde mental chama a atenção para a complexidade de cada realidade por trás das dificuldades expressas por aqueles em dificuldade psicológica.

A Psicologia Social assume um novo papel. As equipes então devem se manter atentas ao social, ao contexto e suas nuances, mudanças, pois agora sabe-se da importância e influência que estes elementos podem ter, tanto positivamente quanto negativamente.

Dentro dos preceitos da política nacional, entende-se a batalha que existe entre novos conhecimentos e antigos conhecimentos. É um trabalho árduo, de desconstrução de modelos prejudiciais, de desconstrução de estigmas enraizados na sociedade, juntamente com a construção de outros modelos e práticas.

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As novas abordagens em saúde mental detém nesse momento da saúde mental brasileira uma nova posição. São reconhecidas, colocadas em prática, e seus resultados são evidentes. As novas abordagens surgem como novas ferramentas, tanto de trabalho dos profissionais quanto das pessoas em atendimento para lidarem com suas dificuldades.

A arteterapia, o diálogo aberto, as oficinas terapêuticas propostas pelos CAPS, dentre outras tantas abordagens, são exemplos e dão outros tons aos tratamentos. Nise da Silveira é a grande referência brasileira nesse sentido.

A política nacional de saúde mental serve de guia mestre para as atividades e tratamentos em saúde mental. Ao longo dos anos ela foi debatida, conversada e modificada, mas a multidisciplinariedade assistencial permaneceu intacta.

O papel dos estados na consolidação da política nacional de saúde mental

Com o advento da nova política nacional de saúde mental, a configuração de responsabilidades entre estados e municípios brasileiros teve que ser ampliada e desenvolvida para abarcar os novos desafios impostos pelos serviços assistenciais recém criados.

No entanto, aos estados couberam algumas funções elementares para o bom funcionamento desses serviços, dado que a maior parte dos municípios do país teriam menos de 40 mil habitantes e capacidade insuficiente para administrar determinadas funcionalidades.

A formulação e adaptação regional da política, a coordenação das ações no território, o combate às desigualdades e a melhoria das condições locais na oferta de serviços com fortalecimento da capacidade institucional nos municípios, fazem parte desse leque de funções.

Os estados brasileiros, dadas suas especificidades regionais, tem essas funções específicas porque possibilitam e/ou controlam o repasse de verbas, a propagação de campanhas de conscientização entre as cidades, a fiscalização geral de serviços e a iniciativa/planejamento de outros.

Aonde o federal não chega, cabe aos estados – em contato direto com os municípios – organizar a oferta e a boa qualidade daquilo que acontece em seu território. Os ministérios da saúde estaduais tem papel fundamental nesses procedimentos.

O bom funcionamento da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial) depende da boa administração dos entes federativos, mas fica nos estados o meio de campo entre todos eles.

A política conta e tem relação direta com a saúde e saúde mental das pessoas, pouco importa se em escala macro ou micro. A consolidação da política nacional de saúde mental dependeu e sempre irá depender dessas configurações societais.

Os impactos da Política Nacional de Saúde Mental na saúde brasileira

A política nacional de saúde mental tem o status de divisor de águas em relação a saúde mental no Brasil. Tornou-se um marco histórico porque, pela primeira vez na história, a pessoa em dificuldades psicológicas, usuária ou não dos serviços assistenciais, teve seus direitos reconhecidos e consolidados.

A vida de muitas pessoas mudou ao longo desses anos enquanto o acesso a esses serviços era ampliado. O desemparo psicossocial diminuiu, o atendimento e cuidado às pessoas aumentou e estigmas sociais foram sendo (e ainda estão) sendo quebrados.

Os CAPS, por exemplo, ajudam a mudar vidas todos os dias. Os Consultórios na Rua, permitem uma segunda chance as pessoas em situação de rua. E os Serviços Residenciais Terapêuticos, servem de meio para a reintegração social de usuários e ex-usuários da rede.

Outro exemplo está nos profissionais da saúde, que passariam a ter formações ainda mais humanitárias. Estes, trabalham hoje em ambientes multidisciplinares, vivem sob uma constante troca de conhecimentos, e o benefício existe para todos: para eles e aqueles em necessidade. 

Em suma, a política nacional de saúde mental no Brasil, apesar das inúmeras necessidades da saúde mental como um todo – de melhor infraestrutura, melhor preparo dos profissionais, maior conscientização popular e maior atenção aos pontos decretados pela própria política nacional – tem seus impactos sentidos na vida daquele que precisa.


Os retrocessos de 2017 e a nota lançada em 2019 pelo Ministério da Saúde, confirmando alterações na PNSM

Em 2017, a Portaria nº 3588, de 21 de dezembro de 2017, foi aprovada pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT) sem consulta ou debate com a sociedade civil ou com outros órgãos e setores da saúde mental.

A Portaria nº 3588, de 21 de dezembro de 2017, apresenta
retrocessos à Política Nacional de Saúde Mental e propõe a desestruturação da lógica organizativa da Rede de Atenção Psicossocial, alterando, entre outros pontos:

1) A inclusão do hospital psiquiátrico na Rede de atenção Psicossocial (RAPS);

2) O aumento do valor da diária de internação em hospitais psiquiátricos;

3) O não fechamento do leito com a desinstitucionalização do paciente
cronificado ferindo o disposto nas portarias 106/2000, 3090/2011 e
2840/2014;

4) O aumento do número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais de 15% para 20%;

5) O aumento do número mínimo de 4 para 8 leitos de saúde mental em
hospital geral para recebimento de custeio;

6) Exigência de taxa de ocupação de 80% em leitos de saúde mental em
hospital geral, como condicionante para recebimento de recursos de custeio;

Agora, já em 2019, o Ministério da Saúde confirmou em nova nota técnica as mudanças do governo anterior em relação a política nacional de saúde mental.

Para quem quiser saber mais a respeito das medidas retrocesso e realizar a leitura da portaria, deixamos o link de acesso para ela

Seremos, sempre, avessos a quaisquer retrocessos.


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1 comentário


  1. Bom dia!
    Excelente artigo, parabéns, Pablo!
    É possível que você indique as referências bibliográficas que utilizou para elaborar seu texto.

    Abraço,

    Ádria Assunção

    Responder

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