OMS – Saúde mental e o acesso à educação, moradia e emprego

Na secção anterior, descrevemos os serviços de saúde mental ao redor do mundo que foram selecionados como exemplos de boas práticas pelo documento Guidance on community mental health services, da World Health Organization (WHO).

Esses serviços são fortemente comprometidos em fornecer suporte e apoio em saúde mental com práticas consistentes para a promoção dos direitos humanos.

São serviços que respeitam a capacidade legal dos indivíduos, usam alternativas às práticas coercivas, promovem inclusão à comunidade e devolvem a esperança para o Recovery do usuário.

A saúde mental e o bem-estar são influenciados por múltiplos fatores: sociais, economicos e ambientais. Dessa forma, usufruir desses fatores em igualdade de condições com outros indivíduos é, além de um direito humano fundamental, decisivo para a saúde mental.

Assim, é importante desenvolver serviços que se envolvem com essas questões de uma forma substancial e lutam pelo direito da população geral ter acesso à educação, moradia, emprego, saúde, etc. Portanto, nesta secção descreveremos as considerações necessárias para a garantia de habitação, educação, emprego e benefícios sociais para os usuários da saúde mental.

Moradia

A habitação é um importante determinante da saúde mental e uma parte essencial para o processo de Recovery, já que a falta de moradia ou uma habitação insegura e precária podem agravar a saúde mental e perpetuar um ciclo vicioso de exclusão.

Além disso, a qualidade da habitação contribui para a possibilidade de controle, escolha e independência – que são todos fatores intrínsecos ao Recovery.

Assim, o acesso a habitação adequada é não apenas um imperativo de direitos humanos, mas também uma prioridade de saúde pública.

A importância de fornecer apoio “para garantir moradia e ajuda doméstica” é uma pré-condição necessária para a capacidade das pessoas com vulnerabilidades de viverem e participarem plenamente na comunidade.

Porém, muitas pessoas em todo o mundo enfrentam ou tiveram que enfrentar a falta de moradia em algum momento de suas vidas.

Por exemplo, no Rio de Janeiro, Brasil, muitas pessoas diagnosticadas com esquizofrenia relataram que foram moradores de rua em algum momento de suas vidas.

Além disso, uma pesquisa de Chengdu, China, enfatizou o resultado da pesquisa descobrindo que uma proporção significativa de pessoas com o diagnóstico de esquizofrenia tiveram falta de habitação durante o período de acompanhamento. Resultados semelhantes foram obtidos por um novo estudo realizado na Etiópia.

Embora pesquisas mais precisas e mais fortes sejam necessárias, muitos estudos têm demonstrado maior prevalência de condições de saúde mental entre pessoas em situação de rua, tanto em países de baixa e média renda, como a Etiópia e a Colômbia e em países de alta renda, incluindo os EUA, França e Alemanha.

Enfatizando a urgência em promovermos serviços holísticos que se comprometam em solucionar os problemas de acesso em nossa sociedade.

Assim, a compreensão necessária é entender que as necessidades básicas do ser humano são fundamentais e não podem ser deixadas em segundo plano, já que, antes de tratar objetivamente de questões de saúde mental, fornecer o acesso à comida, abrigo e segurança são fatores de extrema importância para que o plano de Recovery seja eficiente.

Além disso, também há evidências suficientes para apoiarmos os efeitos benéficos da abordagem de habitação em primeiro lugar para as pessoas, pois a qualidade de vida é imensuravelmente melhorada, o que inclui dimensões como adaptação à comunidade, integração social, dignidade e segurança.

Pensando nisso, os serviços prestados pelo The Banyan em Chennai (consulte a seção 2.6.2) é um ótimo exemplo de alojamento com suporte para suprir a essas necessidades. a fim de ajudar as pessoas na transição de cuidados institucionalizados (por exemplo, hospitalização de longa duração) para uma vida independente na comunidade.

A instituição da a opção de co-habitação com outras pessoas num ambiente familiar, que fornece voluntários para disponibilizar níveis baixos e altos de apoio, de acordo com a necessidade dos moradores.

Dessa forma, as pessoas que usam este serviço têm a possibilidade de encontrar apoio nos colegas e voluntários do programa, conectando-se com os demais usuários que a rede utiliza.

Além disso, há também uma linha de emergência para fornecer o apoio aos membros para que eles possam encontrar o cuidado necessário para os momentos de crise.

Finalmente, alguns serviços de habitação enfatizam a necessidade de avançar para arranjos de habitação mais independentes.

Por exemplo, o serviço da Shared Lifes no País de Gales é um esquema em que um adulto que precisa de apoio e/ou acomodação pode se mudar e compartilhar sua vida com outra pessoa com necessidades compatíveis.

Assim, ambos podem fornecer suporte mútuo pelo tempo que ambos desejarem.

Independentemente do seu tipo e forma que a habitação é fornecida, o importante é garantir que as opções de habitação apoiadas não reproduzam os valores institucionais de práticas manicomiais.

Assim, práticas como: isolamento e segregação da comunidade, paternalismo e abordagens em que os usuários do serviço não têm controle sobre suas próprias decisões do dia-a-dia devem ser evitadas e combatidas para que a habitação não se confunda com internato.

Educação e treinamento

A educação constitui um alicerce essencial do desenvolvimento humano e tem impactos abrangentes sobre a saúde, emprego, pobreza e capital social.

Muitos adultos com transtorno mental tiveram sua educação interrompida durante a infância, adolescência ou início da idade adulta.

Em países de baixa e média renda, estudos mostram que pessoas com problemas de saúde mental experimentaram níveis elevados de exclusão na educação, com baixas taxas de matrícula nas escola, já que são mais propensas a enfrentarem discriminação e estigma durante o processo educativo e assim estão sujeitos ao escolar precoce.

Este também é o caso de muitos países de alta renda. Por exemplo, revisão sistemática de 2019 sobre resultados educacionais nos EUA mostrou que pessoas com dificuldades mentais e / ou deficiências psicossociais tiveram taxas de graduação mais baixas em relação ao grupo de controle.

Essa lacuna na educação traz implicações importantes para a vida adulta das pessoas com problemas de saúde mental, já que, a falta de oportunidade educacional constitui uma barreira para inclusão e participação na comunidade, contribuindo para perpetuar um ciclo de exclusão econômica ao afetar suas perspectivas futuras de emprego, renda e padrão de viver.

Para tanto, é essencial que as escolas e as universidades sejam construídas com base em abordagens inclusivas para a educação, nas quais os currículos e os ambientes escolares se adaptem às necessidades de cada aluno, incluindo pessoas com vulnerabilidades mentais.

Além disso, o suporte a saúde e o apoio social precisam ser fornecidos, juntamente com métodos de ensino variados para ampliar o acesso ao ensino a demais indivíduos.

Enquanto mais evidências são necessárias para rigorosamente avaliar o impacto dos programas de educação apoiados, há evidências preliminares que sugerem que tais serviços podem ajudar os indivíduos a construirem uma melhor auto-estima, progredir em direção aos seus objetivos de educação e desenvolver um senso de esperança para o desenvolvimento pessoal.

Nesse sentido, há um movimento crescente para estabelecer “Faculdades de recuperação” em vários países – espaços de apoio seguros onde pessoas usuárias dos serviços de saúde mental possam desenvolver habilidades, técnicas e conhecimentos para a recuperação.

Essas faculdades compartilham algumas características da educação formal: registro, matrícula, currículos de períodos letivos, equipe em tempo integral, professores por sessão e um ciclo anual de aulas.

Porém, embora as faculdades de recuperação não sejam projetadas para ajudar as pessoas a obter um trabalho específico no final, o conhecimento e as habilidades que os indivíduos podem derivar dessa experiência podem ser úteis para que os usuários possam encontrar e manter um emprego.

Dessa forma, as pessoas podem usar a faculdade como uma alternativa aos serviços de saúde mental, juntamente com o apoio oferecido pelos serviços de saúde mental.

Por exemplo, em Kampala, Uganda, hospital de referência nacional, foi estabelecida a faculdade de recuperação Butabika (Brec), onde as pessoas podiam viver em um ambiente educacional para co-projetar e co-ministrar o ensino regular com as necessidades em saúde mental em impunham.

Finalmente, embora muitos adultos com problemas de saúde mental tenham restrição à educação, receber uma educação adequada e de qualidade, desenvolver e preservar iniciativas que preencham a lacuna educacional na vida adulta é essencial para garantir que os indivíduos podem se beneficiar dos benefícios pessoais, sociais e profissionais da aprendizagem, se assim o desejarem.

Os serviços de saúde mental devem, portanto, perguntar rotineiramente sobre interrupções na educação e aspirações futuras para facilitar o encaminhamento para serviços apropriados na comunidade e garantir o acesso a mais um elemento básico para o desenvolvimento humano: a educação.

Geração de emprego e renda

Porto Alegre, RS – 18/05/2018 Loja Geração POA, que comercializa produtos artesanais feitos em oficina de saúde e trabalho da prefeitura, Geração de emprego e renda

A maioria das pessoas, incluindo aquelas com vulnerabilidades de saúde mental, desejam envolver-se em um trabalho significativo para a sociedade, já que ao adotar uma causa para as nossas ações, temos a oportunidade de viver uma vida significativa.

Assim, ter acesso a empregos remunerados proporciona não apenas recursos financeiros, estabilidade e acesso às necessidades básicas, como também pode melhorar a qualidade de vida do indivíduo adicionando sendo de realização, propósito, autonomia e contribuição para a sociedade .

Além disso, o trabalho também está ligado ao senso de identidade, status e fortalecimento da rede social. Como tal, ter acesso a emprego e renda está intrinsecamente ligado com o processo de recuperação do Recovery.

Apesar disso, o direito das pessoas usuárias de saúde mental de trabalharem, em igualdade de condições com outras, esbarra na situação discriminatória que persiste contra pessoas com problemas de saúde mental e deficiências psicossociais.

Até hoje, as taxas de desemprego entre este grupo são consistentemente mais altas do que o geral

da população. Nos países da OCDE, pessoas com condições leves a moderadas, como ansiedade e depressão, têm duas vezes mais chances de ficarem desempregadas do que a população em geral; e, além disso, aqueles que já estão empregados tendem a possuir contratos mais precários e salários mais baixos.

Por exemplo, uma pesquisa cruzada de 27 países com renda variável, relataram taxas de desemprego em média 70% entre os participantes que receberam um diagnóstico da esquizofrenia.

A lacuna nas taxas de emprego podem ser atribuída a vários fatores, como estigma e discriminação, falta de apoio significativo, o medo dos indivíduos de perder o acesso aos benefícios sociais, ou a lidarem com as condições de saúde mental no início da idade adulta sem o apoio adequado.

Nesse sentido, várias abordagens que apoiam pessoas com problemas de saúde mental e deficiências psicossociais para entrarem ou reingressarem no emprego foram desenvolvidos em todo o mundo.

No entanto, esse tipo de abordagem vem gradualmente desaparecendo por causa da qualidade, geralmente baixa, do trabalho oferecido por esse tipo de emprego (trabalho com condições ruins, caráter repetitivo do trabalho, baixos salários, sem perspectivas de desenvolvimento profissional etc.), e também por causa das taxas muito baixas de transição para o mercado de trabalho aberto.

Essa configuração, portanto, acaba perpetuando a segregação e marginalização de pessoas com problemas mentais e deficiências psicossociais da comunidade.

Outras abordagens alternativas são baseadas na crenças de que as pessoas que estão fora do mercado de trabalho precisam receber algum treinamento antes de acessar qualquer forma de emprego.

Esta abordagem pode ter várias denominações, mas é comumente conhecida como treinamento vocacional.

Nessa abordagem, as pessoas costumam receber cursos de treinamento (em genéricos ou específicos habilidades de trabalho, workshops, desenvolvimento pessoal ou habilidades sociais ou cognitivas específicas, etc.) para familiarizarem-se com as expectativas de emprego e/ou receber aconselhamento necessário.

Essas abordagens são particularmente úteis quando visam ajudar as pessoas a encontrar um emprego que seja significativo para elas.

Alguns serviços fornecem um período de emprego de transição antes de ajudar a pessoa a obter emprego no mercado aberto.

Isso pode ser considerado um processo gradual em que as pessoas ganham experiência profissional, que podem ser usadas como um “trampolim” para futuras perspectivas de emprego.

O modelo de clube é um exemplo baseado no treinamento vocacional para a geração de oportunidades de emprego de transição antes de fornecer apoio para acessar o mercado de trabalho aberto.

Está abordagem envolve um período de preparação antes que os membros tentem retornar a um emprego competitivo.

Este período de preparação é baseado na criação de um “dia de trabalho ordenado” e uma co-gestão do sistema no qual os membros do clube têm responsabilidade e propriedade compartilhadas para o bom funcionamento do serviço (planejamento de mantimentos, culinária, gerenciamento de fundos do clube, gerenciamento de novos aplicativos e outro).

Esta abordagem permite com que o indivíduo construa auto-estima e as competências necessárias para a efetivação no mercado de trabalho.

Além disso, alguns serviços de saúde mental promoveram a criação de empresas sociais que fornecem empregos para pessoas com deficiência psicossociais.

Essas empresas competem com outras empresas abertamente no mercado, pagam seus trabalhadores normalmente e forneçem condições decentes de segurança e desenvolvimento.

Por exemplo, em Hong Kong, a nova associação psiquiátrica da vida, foi formada e administrada por um grupo de indivíduos que receberam um diagnóstico agravante na saúde mental, criando empresas sociais em vários domínios, como: restauração, varejo e ecoturismo.

São empresas que combinam treinamento e emprego para “estabelecer um processo viável e contínuo do empreendimento que que pode gerar renda e qualidade de vida para os usuários ”.

O lucro dessas empresas é reinvestido para cumprir a sua missão social, que consiste em fornecer formação a pessoas com problemas de saúde em contextos reais de trabalho e apoio

para que adquiram as habilidades e a confiança necessárias para um emprego aberto e integração na comunidade.

Assim, cada empresa social serve como um local de treinamento e trabalho real que permite aos usuários a melhoria de suas habilidades e capacidades de trabalho.

Por fim, também devem ser feitos esforços para apoiarem pessoas com problemas de saúde mental e psicossociais para que elas consigam se estabilizarem em seu ambiente de trabalho. Isso pode exigir que o apoio e as acomodações sejam feitos no e pelo local de trabalho.

No geral, há uma grande variedade de maneiras de fornecer apoio para o emprego, porque cada indivíduo possui requisitos diferentes, buscando considerar às aspirações individuais de cada pessoa.

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Proteção social

Viver na pobreza e em condições frequentemente associadas à pobreza, como habitação precária, desnutrição, violência, falta de acesso à saúde e assistência social, aumentam o risco do indivíduo

desenvolver uma condição de saúde mental agravante. Além disso, o contrário também é valido, porque, devido aos estigmas já descritos nessa secção, pessoas com a saúde mental fragilizada também são mais propensas a chegarem ou permanecerem na pobreza, o que cria um ciclo vicioso alarmante para a sociedade.

Por isso, garantir o direito das pessoas dos usuários de saúde mental a um nível de vida adequado são de importância crucial para permitir com que o indivíduo possa ter perspectiva de Recovery.

Para isso, é necessário criarmos as mesmas oportunidades de acesso para que indivíduos vulnerabilizados possam se sentir seguros para viver suas próprias vidas.

Apesar dos padrões de direitos humanos estabelecidos pelo direito internacional, a prática em muitos países demonstra que as pessoas com problemas de saúde mental são, de fato, discriminadas em relação aos benefícios sociais.

Em muitos países, os benefícios dependem da variável: deficiência individual ou de recursos domésticos que impedem o trabalho.

Essa abordagem adota uma postura reducionista da situação e obscurece o fato de que, por definição, a impossibilidade existe por conta do ambiente que a pessoa vivência.

Assim, temos que considerar que os indivíduos possuem condições e necessidades muito distintas entre si e, para que possamos alcançar a igualdade dos direitos fundamentais que até aqui estudamos, é fundamental a criação dos meios de acesso necessários para que indivíduos vulnerabilizados também possam alcançar plena participação social.

Existem muitas maneiras de garantirmos que os benefícios sociais sejam adaptados às essas necessidades e, assim, forneçam inclusão na sociedade. A questão, porém, está em encontrarmos as melhores condições e aplicações e tomarmos a iniciativa de pôr-las em prática.

Conclusão

Portanto, ao garantir o acesso aos direitos fundamentais da habitação, educação, emprego e proteção social, incluímos os usuários de saúde mental à sociedade e desfrutamos todo o potencial que eles podem proporcionar.

Dessa forma, o principal desafio que temos atualmente é implementarmos um sistema holístico que forneça o acesso a diversas esferas sociais.

Apesar de desafiador, surge uma oportunidade, pública ou privada, da sociedade reinventar-se e criar algo novo que seja de benefício mútuo.

Quando encontrarmos a solução, a recompensa será de todos e assim estaremos juntos para enfrentarmos os próximos desafios.

6 Comentários


  1. Como eu excelência este seu artigo , só enfatizar TM (transtorno mental ) tem que incluir sim mais com ações que a família esteja por perto oferecendo apoio , como isso se conduz buscando autoconhecimento do indivíduo para ele ter máximo de autonomia .

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