Transdisciplinaridade e Clínica: O conceito em Saúde Mental que todo profissional deve conhecer

Tradicionalmente, os cursos da área da saúde passam por uma formação especializada na qual o profissional estuda e exerce somente aquilo que é da sua competência.

Por exemplo, se estamos com algum problema no fígado, vamos ao hepatologista; se estamos com algum problema no estômago, vamos no gastroenterologista e se estamos com algum problema no coração vamos ao cardiologista.

Assim, apesar do corpo humano ter um sistema integrado e complexo, o tratamento para a saúde é feito de forma isolada, com cada especialista lidando especificamente com os efeitos referentes da sua área de atuação.

O problema é que quando lidamos com a saúde mental a formação especializada pode causar equívocos no cuidado da saúde do paciente, isto porque a especialização gera um isolamento intelectual na área da saúde, o que dificulta o estudo das possíveis causas e soluções para a situação, ocasionando uma descrição parcial e limitada por parte do profissional.

Por exemplo, se um psiquiatra receber um paciente com um diagnóstico prévio de depressão, é muito difícil e delicada a prescrição de um remédio para combater os sintomas do indivíduo, até porque os fenômenos da saúde mental não se aplicam somente ao aspecto biológico do ser humano, como se estende para o aspecto bio-psico-social.

Então, para compreender essas três características dentro do indivíduo e formular um sistema de tratamento eficiente, a especialização torna-se um problema para o sistema da saúde mental, porque isola a análise de fatores que deveriam ser considerados em conjunto.

Assim, atualmente vêm surgindo alguns conceitos na área da saúde pública e coletiva para resolver essa situação e atingir um sistema de tratamento mais eficiente.

O primeiro deles é o conceito da transdisciplinaridade, que defende que o profissional tenha o conhecimento geral de todas as áreas da saúde para integrar melhor o cuidado ao paciente.

Dessa forma, a competência do psiquiatra seria não somente a diagnosticação e o tratamento de todas as questões de ordem mental, como também seria responsabilidade do profissional identificar, por exemplo:

  • os fatores sociais que envolvem a problemática do indivíduo para;
  • caso necessário, estudar o caso em conjunto com outros profissionais da área da saúde, psicólogos, enfermeiras, servidores sociais, etc…

O segundo conceito que vêm se destacando na área da saúde mental é o conceito de Clínica de saúde integrada, ou clínica ampliada, que defende justamente o convívio entre inúmeros profissionais da saúde para integrar melhor o tratamento.

A clínica ampliada defende que quanto maior a integração entre diferentes perspectivas, melhor será a precisão para o cuidado do paciente.

No entanto, esta é uma tarefa árdua, pois implica a transformação de estruturas historicamente institucionalizadas, de valores e hábitos adquiridos pela cultura da sociedade moderna.

Tradicionalmente, as diferenças têm sido tratadas como desigualdades, estabelecendo-se relações de dominação ou violência entre as culturas, grupos ou comportamentos considerados referência e aqueles considerados marginais.

Para alterar esta lógica faz-se necessário alterar a lógica de poder instituída e construir novos referenciais para compreender as relações entre o Eu e o Outro, o uno e o múltiplo, o individual e o coletivo.

Nesse processo é inevitável o enfrentamento de obstáculos sociais, pedagógicos, ideológicos, políticos, psicológicos, metodológicos e técnicos, e a transformação da lógica de poder que promove e mantém as dificuldades para uma práxis coletiva, assim como a cisão entre o saber e o fazer.

Esta concepção de saúde, baseada numa perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar, pretende a superação do modelo centrado na doença e o desenvolvimento de estratégias que abordem a complexidade inerente à saúde.

Agregando conceitos de qualidade de vida, cidadania e inclusão social ao seu campo de ação, busca superar o reducionismo, apoiando-se no princípio da integralidade da atenção.

Segundo Mattos (2001, p.39-64(.)), a integralidade em saúde, como diretriz do SUS, mais que um conceito fechado e estático, é um termo polissêmico e dinâmico em conjunto de valores que representam um ideal de transformação das práticas tradicionais de saúde, uma noção com vários sentidos, dentre os quais podemos identificar:

  • Crítica a uma visão de saúde fragmentada, reducionista, especialista.
  • Superação do modelo biológico de saúde para integração bio-psico-social.
  • Superação do modelo centrado na doença.
  • Articulação entre diferentes saberes ou campos de conhecimento.
  • Articulação entre ações de promoção, prevenção, tratamento, reabilitação.
  • Articulação entre diferentes ações, serviços e instituições.
  • Articulação entre necessidades individuais e sociais ou coletivas, tanto para compreensão dos processos de produção saúde-doença, quanto para definição de estratégias de intervenção.
  • Ampliação das possibilidades de intervenção, diante de necessidades de indivíduos e grupos populacionais, visando qualidade de vida.
  • Articulação de políticas públicas que garantam acesso aos recursos dos diferentes níveis de atenção à Saúde.
  • Reorganização dos processos de trabalho

Para isso, a abordagem complexa das demandas de saúde, atendendo ao princípio da integralidade, exige equipes multiprofissionais e instituições sobre o desenvolvimento de metodologias que contemplem trocas criativas entre diferentes especialidades e áreas do saber.

As equipes multiprofissionais representam um dos núcleos desta rede, um dos elos desta complexa trama, constituindo-se de grupos que vivenciam e operam esta construção na prática cotidiana, carregando as contradições inerentes ao nosso tempo.

Contradições que colocam, de um lado, os novos paradigmas e, de outro, a formação dos profissionais e a configuração das instituições, ainda marcadas pela fragmentação do conhecimento, pela setorização do trabalho, pelas estruturas hierárquicas de poder e pela cultura corporativa.

Enquanto a interdisciplinaridade busca integrar diferentes disciplinas, compreendidas como campos específicos do conhecimento científico, a transdisciplinaridade busca, além disso, a integração do conhecimento científico a outros modos de produção de conhecimento, buscando um diálogo rigoroso não apenas entre ciências exatas e humanas, mas também entre ciência, arte, cultura, tradição, religião, experiência interior e pensamento simbólico.

Como o prefixo trans indica, transdisciplinaridade diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das disciplinas e além de toda disciplina.

Sua finalidade é a compreensão do mundo atual e um dos imperativos para isso é a unidade do conhecimento. (NICOLESCU, 2005, p. 52-53).

As práticas interdisciplinares e transdisciplinares visam à constituição da unidade com o aproveitamento da multiplicidade, que pressupõe a vivência com a diversidade entre os indivíduos do grupo, uma vez que colocam em diálogo formas diferentes de descrever, analisar, explicar e intervir na realidade, com o intuito de criar uma alternativa que respeite e entenda as particularidades de cada indivíduo.

A transdisciplinaridade nos ensina que o aprender e o saber são ações que estão presentes em todas as pessoas.

Ela nos ensina que podemos aprender e ensinar em todos os momentos de nossas vidas, e que todas as pessoas possuem um conhecimento legítimo de ser expressado.

Isso significa dizer que, para atingirmos uma saúde pública e coletiva eficiente, temos que saber escutar e aprender com as experiências de todas as pessoas que participam dela.

Porque, em algumas situações, o servidor social pode conhecer melhor a dor do paciente do que o médico, e a família do paciente pode conhecer melhor a dor dele do que o servidor social.

Mas, o servidor social pode encontrar uma solução melhor do que a adotada pela família e o médico pode propor uma nova alternativa que beneficie ainda mais a vida do paciente, mas, para isso, é necessário que antes ele conheça os demais fatores da crise.

Por isso, o diálogo e a integração entre diversos pontos de vista se mostram extremamente necessários e importantes atualmente para a área da saúde, pois quanto maior a conexão da rede de apoio do indivíduo, melhor será a disposição de cuidado que ele encontra.

O médico, o psicólogo, a enfermeira, Assistentes Sociais, a família e o colega ao lado são peças fundamentais para a eficiência da saúde pública coletiva.

Referências:

– Feriotti, Maria de Lourdes EQUIPE MULTIPROFISSIONAL, TRANSDISCIPLINARIDADE E SAÚDE: DESAFIOS DO NOSSO TEMPO Vínculo – Revista do NESME, vol. 6, núm. 2, julio-diciembre, 2009, pp. 179-193 Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares São Paulo, Brasil

– NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Trad. Lucia Pereira de Souza. 3ª ed. – São Paulo: TRIOM, 2005. p. 52-53.

– MATTOS, Ruben Araújo de. Os sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In PINHEIRO, Roseni; MATTOS Ruben A. Os Sentidos da Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. – Rio de Janeiro: ABRASCO, 2001. p. 39-64

 

 

 

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