A despeito dos avanços da Reforma Psiquiátrica no mundo e no Brasil sobre a desinstitucionalização e a oferta de um cuidado integral e humanizado às pessoas com algum transtorno ou sofrimento psíquico, a sexualidade e a saúde sexual não são incorporadas ao debate.
Além disso, poucas têm sido as ações de prevenção e controle do HIV entre os usuários dos serviços de saúde mental (USM), tornando-os mais vulneráveis às IST (infecções sexualmente transmissíveis) e AIDS1, 2.
A abordagem da sexualidade e prevenção das IST/AIDS entre os USM está ausente no debate dos diversos temas emergentes, urgentes e relevantes no contexto da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica Brasileira3.
A não abordagem adequada da sexualidade tem privado estes sujeitos do acesso a informações e ações sobre direitos sexuais, riscos de abuso e exploração sexual, dentro e fora da instituição2, 4.
Tal lacuna contrasta com a preocupação dos profissionais de saúde mental (PSM) sobre os riscos dos USM se infectarem em relações sexuais no contexto institucional1, 5, 6.
Algumas situações de risco, associadas à vitimização sexual e às histórias de violência e abuso sexual, são mais recorrentes entre os USM, do que na população em geral4.
Outra questão importante a ser discutida sobre a sexualidade dos USM é que, na grande maioria das vezes, suas sexualidades estão associadas ao estado clínico ou são vistas como um simples impulso.
O exercício das sexualidades dos USM não é considerado como um direito dessa população, que se encontra em condições de maior vulnerabilidade ao abuso sexual e às IST/AIDS.
Para Birman e Serra7, a manifestação da sexualidade é encarada como um sintoma, devendo sofrer uma intervenção terapêutica.
Um dos assuntos também que trago para o debate (e que foi tema central da minha Tese de Doutorado) é o despreparo dos PSM para abordarem esses temas junto aos USM ou lidarem com situações que possam ocorrer no dia-a-dia da clínica do cuidado, seja por uma formação profissional pouco abrangente e frágil, seja pela falta de experiência ou conforto em discutir as questões da sexualidade com os USM.
Ainda são incipientes e recentes as pesquisas acerca das percepções dos profissionais de saúde a respeito da sexualidade dos USM8, 9, 10, 11.
Há igualmente poucos resultados capazes de subsidiar como os PSM devem abordar questões relacionadas à sexualidade e à prevenção das IST/AIDS para incluí-las, seja em sua formação acadêmica, seja no dia-a-dia do cuidado em saúde mental.
Para Rufino et al12 predomina uma visão reducionista da sexualidade nos currículos na área da saúde e há poucos estudos sobre o conteúdo e oferta de ensino sobre sexualidade.
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Segundo o autor, durante a formação acadêmica, há uma maior valorização da visão biologicista em detrimento daquela relacionada a uma construção social da sexualidade associada à saúde.
Outros trabalhos assinalam que a falta de conhecimento sobre a vida sexual dos USM pode levar os PSM a negligenciarem a avaliação de comportamentos de risco, a orientação de uma prática sexual mais protegida e segura e a proteção contra abusos sexuais; além da não discussão a respeito da saúde sexual reprodutiva4, 13.
A inserção do tema da sexualidade nos currículos das escolas da área médica e demais ciências e práticas do cuidado em saúde se justifica pela associação entre sexualidade e saúde,que ganha contornos específicos entre os diferentes grupos populacionais.
Tem-se, portanto, a expectativa de que os profissionais de saúde sejam capazes de debater e eventualmente prestar assistência sobre sexualidade e saúde sexual, incluindo as pessoas com transtorno mental.
No entanto, a adequada assistência em saúde sexual nos serviços de saúde mental fica comprometida em função do despreparo dos profissionais, das atitudes sexistas, da inabilidade de comunicação e do desconhecimento ou pouca experiência da equipe14.
Segundo Souza15, em grande parte dos currículos de formação na área da saúde,é praticamente inexistente a discussão sobre as dimensões socioculturais da sexualidade dos pacientes, independente da categoria profissional.
A autora reconhece que o debate sobre esse tema entre os USM apresenta particularidades frente às concepções de sexualidade dessa população, como assinalado ao longo da presente tese.
Soma-se a essa lacuna, uma abordagem fragmentada das disciplinas, o foco no tratamento de doenças e/ou na discussão estritamente psicanalítica, em detrimento de uma capacitação capaz de preparar os profissionais para uma prática integral da sexualidade no cuidado, que contemple seus aspectos psicossociais e culturais.
Para Mann et al13 é fundamental para o PSM estabelecer uma relação de confiança com o USM para que haja uma melhor compreensão das práticas e vivências da sexualidade no momento dos atendimentos diários na clínica do cuidado, sejam eles individuais ou em grupo, através de consultas ou oficinas terapêuticas.
No entanto, para que isso ocorra, o PSM deve ter um mínimo de conhecimento, preparo e disponibilidade.
Desta forma, como aponta Souza15, faz-se necessária uma busca por estratégias e ferramentas mais abrangentes, individualizadas e contínuas de educação em saúde para esses profissionais.
A abordagem da sexualidade e da prevenção das IST/AIDS na saúde mental deve contemplar o desenvolvimento da habilidade em trabalhar de acordo com as características e demandas de cada USM e com informações objetivas, no intuito de haver uma comunicação mais efetiva.
Transcorridos 23 anos de experiência profissional com USM, incluindo a criação e realização de intervenções sobre sexualidade e prevenção das IST/AIDS com essa população, a pesquisa que realizei para meu Doutorado16 foi uma oportunidade de compreender como profissionais da Rede de Atenção Psicossocial do Rio de Janeiro (RAPS) abordam ou omitem tais temas no/do cuidado em saúde mental.
Seus achados visam dar visibilidade às dificuldades e necessidades dos PSM, bem como indicar sugestões para superar as limitações nesse campo.
Através da aplicação de 8 Grupos Focais (GF) com 61 PSM de três diferentes dispositivos (uma instituição psiquiátrica de grande porte, um CAPS III e equipes de Consultório na Rua) da RAPS no município do Rio de Janeiro, os resultados permitiram identificar as lacunas existentes na formação profissional e cuidado no que tange à sexualidade e prevenção das IST/AIDS junto aos USM.
De acordo com os relatos, temas relativos à sexualidade e à AIDS não são (ou raramente são) abordados no atendimento ao USM.
Algumas categorias profissionais, como Médicos, Enfermeiros e Psicólogos, afirmaram que a temática sexualidade foi tratada no curso de graduação.
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Nas duas primeiras categorias o foco recai na etiologia e cuidado com as IST e AIDS e na última, no olhar psicanalítico, mas ambos os enfoques parecem não oferecer subsídios para a prática profissional com USM relativa ao tema.
Os resultados permitiram apontar que a perspectiva sociocultural e histórica da sexualidade não tem sido contemplada nos processos formativos e nem no cotidiano da prática do cuidado, não tendo sido referida por nenhum dos participantes dos GF.
Por conta do despreparo e do surgimento das demandas dos USM no cotidiano da clínica do cuidado, alguns participantes buscaram, por conta própria, formações complementares para oferecer uma assistência de forma integral.
Diante da falta de formação e de diretrizes institucionais, constatou-se que sexualidade e IST/AIDS raramente são abordados no atendimento ao USM e igualmente não aparecem nas discussões das reuniões de equipe.
Nessas reuniões, os assuntos considerados relevantes na prática do cuidado foram relacionados aos desafios da incorporação dos princípios da Reforma Psiquiátrica à prática cotidiana dos serviços, como o processo de desinstitucionalização do usuário e a dificuldade da participação dos familiares, bem como a violência no território onde os serviços ambulatoriais estão localizados.
Durante os GF os profissionais afirmaram reconhecer a maior vulnerabilidade dessa população para as questões de violência, incluindo-se situações de violência sexual.
No entanto, segundo os relatos, a sexualidade é tratada apenas no âmbito da assistência a partir da demanda do USM ou diante da ocorrência de violência sexual.
Em geral, eles preferem encaminhar para outros profissionais que consideram mais preparados para lidar com estas situações, dependendo da disponibilidade do serviço.
Além dos PSM desconhecerem os preocupantes dados sobre taxas de infecção de IST/HIV em USM, a prevenção das IST/AIDS é pensada somente quando comportamentos considerados de risco são observados durante a permanência do USM nos três tipos de serviços.
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Ademais, nota-se entre PSM uma certa dificuldade em discernir ações de controle e cuidado diante da expressão da sexualidade dos USM.
Observou-se ainda que lidar com a sexualidade e, consequentemente, as relações sexuais dos USM em instituições que possuem setor de internação, torna-se um desafio maior, decorrente do tempo de permanência no serviço e de questões legais – tais como, violência sexual, gravidez durante o período de internação e reclamações dos familiares, entre outras – quando comparada com as estratégias de serviços substitutivos onde o USM apenas passa o dia e retorna à sua casa.
As questões legais e o despreparo dos PSM em abordar e lidar com estas situações durante o período de internação tornam-se um diferencial a ser levado em conta no dia-a-dia institucional.
Junto com a equipe e com os coordenadores e/ou supervisores dos serviços, os PSM responsáveis pelo cuidado devem receber formação e orientações para enfrentar essas situações de forma mais confortável e para favorecer que os USM fiquem mais à vontade para falarem dessas temáticas durante a internação.
Há uma carência de formação e atuação dos PSM no que diz respeito à sexualidade e às ações de prevenção das IST/AIDS.
Diante disso, grande parte dos participantes sugeriu a realização de oficinas, rodas de conversa regulares e cursos de capacitação sobre sexualidade e AIDS com o intuito de preencher as lacunas das formações profissionais e de instrumentalizá-los melhor.
Tais encontros poderiam contar com profissional com experiência na área para coordenar as discussões, principalmente os casos o corridos no dia-a-dia do serviço.
Mesmo apontando dificuldades na implementação desses espaços de troca – falta de tempo, rotatividade de profissionais e necessidade de um profissional com expertise no tema – os participantes dos GF mostraram-se dispostos a buscar soluções, reforçando a importância da construção de um espaço de troca de experiências e discussões sobre sexualidade e prevenção das IST/AIDS.
Por fim, parafraseando o grande poeta Fernando Pessoa, viver não é preciso, mas falar de sexualidade na saúde mental é preciso. Preciso, necessário e urgente.
Autor – Dr. Claudio Gruber Mann: Enfermeiro em Saúde Mental, Doutor em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), Especialista em Saúde Mental (IPUB/UFRJ) e Especialista em Gênero & Sexualidade (IMS/UERJ). Pesquisador Colaborador da Columbia University-NY e do IPUB/UFRJ.
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Olá boa tarde, me Chamo Anderson Meneses da Silva, Psicólogo com uma pós em Docência, Especialista em Saúde Mental LGBQUIA+, onde o meu artigo que propus a escrever foi sobre a temática da saúde mental LGBT embasado na teoria do Estresse de Minorias Sexuais de Meyer, eu sempre assisto as web palestras no canal do youtube e leio os artigos sobre saúde mental. No entanto eu gostaria de saber se posso compartilhar com vocês e público geral o meu trabalho, como eu faço pra que isso aconteça? Aguardo!
att.
Anderson