Um Relato sobre a Experiência de Ouvir Vozes, por Eleonor Longden

Eleanor Longden foi diagnosticada durante sua juventude com esquizofrenia e viveu dois anos dentro de um hospital psiquiátrico na Inglaterra, circunstâncias que a teriam feito sofrer muito.

Sua história começa a mudar com ajuda de um de seus enfermeiros. Hoje, Eleanor é uma respeitada psicóloga inglesa, já tendo recebido diversos prêmios pelo seu trabalho.

Em 2013 participou do TED Talk em Londres, tendo seu vídeo contabilizado mais de 4 milhões de visualizações no YouTube.

A história de vida de Eleanor Longden

Eleanor Longden terminou o ensino médio e entrou no curso de psicologia em uma respeitada universidade da Inglaterra. Aparentava ser uma estudante feliz e típica, mas na realidade não o era.

Eleanor estava profundamente assustada com a mudança de cidade que havia feito e a nova vida acadêmica, mas ela fazia um bom trabalho ocultando seus medos.

Ela teria começado a ouvir a vozes no segundo semestre de seu primeiro ano na faculdade; uma narradora que descrevia calmamente tudo o que ela fazia na terceira pessoa.

A voz era neutra, impassível, até mesmo reconfortante, embora parecesse frustrada com Eleonor escondendo todo seu sentimento de agonia.

“Era claro que a voz tinha algo para me comunicar sobre minhas emoções, particularmente emoções que eram remotas e inacessíveis”, diz Eleanor.

No auge de seus medos, Eleonor contou para um conhecido sobre a voz que estava ouvindo; algo que se espalhou e não foi bem aceito por sua turma da universidade, tendo como consequência muitos preconceitos.

Nesse contexto, como as pessoas ao seu redor acreditavam que pessoas normais não ouviriam vozes, ela foi persuadida a ir ao médico.

“Ela está cavando seu próprio túmulo”, dizia a voz durante o encontro.

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Eleonor chegou a conclusão de que os médicos “não gostavam” de suas vozes pela maneira como lidavam com suas dificuldades.  Foi então que, com um grupo de apoiadores ao seu redor, é que ela começaria sua longa jornada em busca de autonomia e superação.

Em primeiro lugar, ela teve que entender que as vozes eram uma reação a eventos traumáticos de sua infância; algo que continha mensagens a serem decifradas.

“As vozes estavam intimamente relacionadas a aspectos da minha vida, como traumas, raiva, vergonha, culpa, baixa auto-estima”, diz ela.

“As vozes mais hostis e agressivas representavam as partes dentro de mim que mais profundamente teriam sido feridas. Eu precisava mostrar maior compaixão e carinho comigo mesma e com as vozes”.

E aos poucos Eleanor foi aprendendo a lidar com as vozes que ouvia, passando a entender mais, tendo como próximo passo à diminuição da medicação que tomava.

Foi fundamental na recuperação de Eleanor o contato com a Intervoice, assim como seu adentrar em um grupo de ouvidores. No grupo ela conseguiu a confiança para lutar e viu que existiam outras pessoas nas mesmas condições que as suas.

Para Eleanor, a questão mais importante na psiquiatria seria a de que “não é o que há de errado com você, mas sim o que aconteceu com você.”

Hoje, Longden vive com suas vozes em paz, com respeito, compaixão e aceitação. Ela faz parte da INTERVOICE, organizacional internacional que a ajudou e que se mantém desde o seu início em prol da desconstrução do estigma que se tem por trás do ouvir de vozes.

Um pouco sobre a INTERVOICE

O grupo tem hoje redes em 32 países de cinco continentes e promove um senso de dignidade, solidariedade e capacitação para indivíduos em sofrimento mental.

“Não precisamos viver nossas vidas para sempre definidas pelas coisas prejudiciais que nos aconteceram”.

Meu psiquiatra disse: “não me diga o que as outras pessoas lhe disseram sobre você. Me fale sobre você.”, relatou um dos indivíduos auxiliados pelo órgão.

Eleonor foi uma das primeiras de um dos grupos de ouvidores a conseguir sua autonomia e não precisar mais do serviço de saúde mental fornecido.

Eleanor não está sozinha e sua história não é a única história de superação quanto as vozes. Muitas pessoas estão recuperando suas vidas através do trabalho internacional do movimento de Ouvidores de Vozes.

Nas palavras do Prof Paul Baker, fundador da INTERVOICE na Inglaterra:

“Eleanor é uma das muitas pessoas que foram uma vez esmagadas por sua experiência ouvindo vozes, mas que hoje já recuperou sua vida.

Outras pessoas conseguiram sua autonomia, como Ron Coleman, da Escócia, hoje consultor de renome internacional; o psicólogo Rufus May, da Inglaterra, mais conhecido por usar suas próprias experiências como paciente psiquiátrico para promover a recuperação alternativa.

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Peter Bullimore, fundador da Rede Nacional de Paranóia do Reino Unido e ouvinte de voz; Rachel Waddingham, uma trabalhadora de desenvolvimento inovador em Londres; e Olga Runciman, presidente da Intervoice na Dinamarca. A lista é enorme.”

A INTERVOICE tem como objetivo mostrar que ouvir vozes faz parte da diversidade da experiência humana, com o intuito de aumentar a consciência geral de que você pode ser saudável ouvindo vozes.

A Intervoice desafia as atitudes negativas em relação às pessoas que ouvem vozes e a suposição incorreta de que ouvir vozes, em si, é o sinal de uma doença.

Em 1987, na Holanda, a ouvinte de voz Patsy Hage desafiou Marius Romme, seu psiquiatra, hoje conhecido como fundador da INTERVOICE, com suas críticas relacionadas ao seu método tradicional.

Ela assinalou que, em vez de usar as vozes apenas para fazer o diagnóstico de uma doença, seria mais útil se ele a ajudasse a aprender a lidar com aquela experiência. Ele a ouviu, agiu em conjunto com Patsy e o resto é história.

Hoje, existem 32 países com redes e iniciativas que trabalham para promover a recuperação, aceitação e educação a respeito das vozes, proporcionando oportunidades para as pessoas que as ouvem para se reunir e conversar, compartilhando pontos de vista e estratégias para apoiar uns aos outros.”

O psiquiatra, Prof. Marius Romme, presidente da INTERVOICE, relembra que:

“Em 1987, eu não tinha ideia do impacto que a descoberta de que aceitar e dar sentido às vozes era uma alternativa útil.

No entanto, depois de vinte anos de trabalho, construímos um movimento único e formidável de ouvintes e aliados que trouxe uma grande mudança na maneira como as vozes são consideradas, de forma a encontrar novas maneiras de ajudar as pessoas sobrecarregadas por suas vozes.

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Mas o principal legado naquilo que vejo da INTERVOICE é a busca da autonomia do usuário, sendo um movimento com muitas historias de usuários que conseguiram seus objetivos.

Muitas pessoas na nossa sociedade ouvem vozes. A pesquisa demográfica mostra que entre 4% e 8% das pessoas na população mundial ouvem vozes (INTERVOICE, 2017), sendo que apenas uma pequena porcentagem delas tem qualquer contato com serviços psiquiátricos.

Tão surpreendentemente talvez, a maioria das pessoas que ouvem vozes são saudáveis.

Além disso, há muitas pessoas célebres que afirmam ou alegaram ouvir vozes, estando entre elas: Winston Churchill, Mahatma Gandhi, Sir Anthony Hopkins, Brian Wilson, John Nash, Zinedine Zidane e muitos outros.”


Autor – Prof. Paul Baker: Formado em sociologia e assistência social na Universidade de Manchester, com pós graduação em Saúde Mental. Secretário na International Mental Health Collaborating Networ (IMHCN); coordenador de mídias sociais da INTERVOICE e um dos fundadores da INTERVOICE no Reino Unido.

4 Comentários


  1. Achei fantástico a história de Eleanor, a superação e aprender a lidar com as vozes. A importância de um bom profissional em observar não apenas o diagnóstico e sim um ser na sua totalidade, entender o que de fato o paciente sente, suas angustias, medos, incertezas , não se sobrepor a um diagnóstico. O ser humano estará sempre em construção, ao longo da história delimitavam muito as pessoas que tinham algum transtorno, não viam uma qualidade de vida ou de possibilidades. Quando li sobre a história de Eleanor e outras sobre o tema em questão fico muito feliz. Sou fascinada em conhecimentos sobre saúde mental.

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  2. Existe algum grupo de whatapp da intervoice Brasil ? Comessei a ouvir vozes,e exatamente do mesmo jeito da moça da materia.

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