Como a Teoria de Ron Davis tem mudado a concepção de Dislexia no Mundo

Entendendo um pouco mais sobre a dislexia

A dislexia enquanto um transtorno de aprendizagem atinge muitas pessoas ao redor do mundo, sendo em sua maioria homens. E, apesar de ser um assunto de grande relevância, ainda se percebe que as pessoas em geral pouco sabem sobre ela.

A dificuldade enfrentada pelos disléxicos está, muitas vezes, relacionada ao modo como esses indivíduos constroem suas conexões com o mundo.

Uma vez que os sistemas educacionais adotados pelas sociedades não estão preparados para integrar esses indivíduos de maneira a adequar as escolas ás suas necessidades, principalmente no que diz respeito à alfabetização, essas pessoas sofrem.

Sendo um transtorno de origem hereditária, a dislexia baseia-se na dificuldade cognitiva do indivíduo em absorver tudo aquilo que concerne ao universo da leitura, visto que este não conseguiria conceituar palavras em sua mente em função de seu funcionamento cerebral, que apenas captaria conteúdos por meio de imagens.

Como ilustração, percebemos que uma pessoa não disléxica pronuncia mentalmente o som das palavras quando as lê, uma vez que a alfabetização é baseada na fonética, entendendo seus significados por conta de seu som e conteúdo. Mas no caso de uma pessoa disléxica, tudo isso mudaria.

Normalmente, os disléxicos tem uma melhor compreensão daquilo que observam quando, simplesmente, identificam uma palavra como imagem.

Na teoria, esta capacidade é chamada de olho mental ou epicentro da consciência visual, quando o indivíduo utiliza da imaginação que tem para administrar o conhecimento referente às coisas que percebe ao seu redor.

A história e conceituação da dislexia

Por um longo período de tempo, as manifestações e implicações da dislexia permaneceram como um enigma a ser decifrado, dada a dificuldade em percebe-las e enquadra-las, científica e socialmente, quando nada ainda havia sido constatado ao seu respeito.

Durante o final do século XIX, esse plano de fundo seria alterado por meio da percepção do médico William Morgan, que com base em seu estudo de caso do menino Percy, um garoto inglês de 14 anos, constataria características peculiares em sua cognição, observada sua dificuldade para ler e escrever.

Morgan teria sido a partir daí a primeira pessoa a considerar aquilo que o neurologista alemão, Adolf Kussmaul, denominaria como “cegueira verbal congênita” – a primeira designação do conceito que, anos depois, se tornaria aquele que conhecemos hoje como “dislexia” ou “dislexia de desenvolvimento”.


Desde então, até o desfecho final do termo, estudos diversos seriam realizados com o objetivo de entender ainda melhor sua origem, suas implicações e as maneiras existentes para se contornar as dificuldades apresentadas por seus portadores.

A dislexia, apesar de ser um conceito singular, que define uma condição específica da cognição do indivíduo, teria ainda suas manifestações típicas, cada qual com sua particularidade e impacto sobre as capacidades de aprendizado do indivíduo, podendo surgir desde sua relação com a matemática até com a ortografia e/ou caligrafia.

Olhando a dislexia como um dom – a história de Ron Davis, seu livro e sua relação com a dislexia

Diferente das concepções tradicionais sobre a dislexia enquanto um transtorno de aprendizagem, a forma como a observou Ron Davis diante de sua experiência enquanto um disléxico revolucionaria sua vida e várias das antigas formas de se pensar a respeito dela.

Ele próprio, um adulto severamente disléxico, descobriria como “corrigir” sua própria dislexia antes mesmo de chegar a qualquer teoria sobre como ajudar os outros.

Até os 38 anos, Ron teria sempre aceitado os pronunciamentos oficiais dos especialistas que o diagnosticavam como mentalmente retardado e nada a mais do que isso.

Embora ele tivesse um QI medido de 160, ele entendia naquela altura de sua vida que nunca seria capaz de ler ou escrever sem uma luta árdua, porque havia algo de terrivelmente errado com seu cérebro.

No entanto, com o passar dos anos, Ron perceberia que às vezes sua dislexia piorava. Nesse momento, ele raciocinaria que, se pudesse descobrir como piorar sua dislexia, poderia de algum modo topar com a chave para melhora-la.

Sua primeira pista viria de suas obras de arte, quando Ron se daria conta de que pintando, quando ele estava em seu melhor artístico, era o momento em que o pior de sua dislexia aparecia.

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Como conta em sua história, Ron trancar-se-ia no quarto de hotel em que estava e praticaria piorar sua dislexia por meio da arte, para então trabalhar em melhora-la, como se em sua maior “fraqueza” tivesse encontrado sua maior virtude e fonte de força.

Depois de três dias de prática, Ron teria chegado ao momento em que as cartas no cartão de visitas do quarto de hotel teriam se tornado, de repente, legíveis para ele.

Atordoado com as letras, que eram todas do mesmo tamanho, e também com os espaços existentes entre as palavras, Ron iria para uma biblioteca pública, pegaria o livro “Treasure Island” da prateleira e o leria inteiro como nunca havia feito antes, antes mesmo da biblioteca fechar.

Ron não teria descoberto a solução para a dislexia naquele momento, mas ali seria o início de sua jornada. Então Ron compartilharia suas ideias com outras pessoas e descobriria, para sua surpresa, que a maioria de seus amigos artistas também eram disléxicos.

Dentro desse contexto, por meio de uma abordagem de tentativa e erro consigo mesmo e seus colegas, Ron desenvolveria seu próprio método para ajudar os outros a superarem sua própria dislexia.

Cerca de um ano depois, Ron abriria sua primeira clínica de leitura e desenvolvimento da abordagem. Depois disso, escreveria um livro sobre ela.

(Fonte: Davis Dyslexia Association International)

O dom da dislexia – conhecendo o método de Ron Davis

A teoria de Davis surgiu dessa abordagem inicial de tentativa e erro, como uma forma de explicar por que seus métodos funcionariam. Em vez de começar com uma teoria e usar isso como base para elaborar um método, Ron trabalhou de trás para frente nessa solução.

Os disléxicos são fundamentalmente pensadores de imagens: eles geralmente pensam em imagens mentais ao invés de usar palavras, sentenças ou diálogos internos em suas mentes.

Para Ron, ao invés de uma espécie de deficiência, essa característica especial do disléxico seria um dom; algo mal interpretado e totalmente possível de ser desenvolvido.

No entanto, como esse tipo de pensamento seria algo subliminar – mais rápido do que a pessoa poderia estar ciente – a maioria dos disléxicos começaria não se dando conta de que é isso que eles estariam fazendo.

Os disléxicos, na ideia de Ron, ao contrário de pessoas com graves problemas de cognição seriam, na realidade, pessoas de cognição diferente, indivíduos que tenderiam a usar a lógica, imagens mentais e estratégias de raciocínio para entender o mundo ao seu redor.

Pensando principalmente em imagens, os disléxicos tenderiam a desenvolver imaginações únicas e a usar um processo de raciocínio baseado em imagens e sensações para resolver seus problemas, ao contrário das maneiras verbais consideradas comuns utilizadas pelos não disléxicos.

Por outro lado, essa habilidade poderia ser a base de um problema, também como escreve Ron – algo que normalmente acaba acontecendo.

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Os disléxicos tendem a ter dificuldades com objetos irreais e simbólicos, como letras e numerais. E em seus esforços para compreende-los, ficariam bastante desorientados e confusos.

Os erros repetidos, que resultariam dessas percepções equivocadas devido à desorientação, inevitavelmente levariam a reações emocionais, frustração e a perda de autoestima.

De acordo com Ron, em um esforço para resolver esse dilema, cada disléxico começará a desenvolver um conjunto de mecanismos de enfrentamento e comportamentos compulsivos para contornar esses problemas.

A memorização mecânica, a música do alfabeto, o fazimento de seus deveres de casa por familiares, a escrita da caligrafia ilegível para encobrir a ortografia insatisfatória e o evitar de qualquer tarefa relacionada à escola ou à leitura, são exemplos dessa realidade.

Um disléxico adulto terá um repertório completo de tais comportamentos. Agora, como nos escreve Ron, tem-se a gama completa de sintomas, características e comportamentos comumente associados à dislexia.

Nesse sentido, o aspecto mais significativo da Teoria de Ron na resolução de dislexia seria a observação de que, quando um símbolo auditivo – uma palavra – não tem uma imagem mental e significado para o disléxico, a desorientação e os erros são o resultado.

Sendo assim, quando mostramos aos disléxicos como desligar as desorientações no momento em que ocorrem, e depois ajudar a encontrar e dominar os estímulos que desencadearam a desorientação, os problemas de leitura, escrita e ortografia começam a desaparecer.

(Fonte: Davis, 2004)

Educação x Desenvolvimento Infantil: como a dislexia acontece

Segundo Ron, a falta de preparo e entendimento dos sistemas educacionais ao redor do mundo para lidar com a maneira de entender o mundo dos disléxicos seria, se não o maior, um dos maiores problemas existentes no que diz respeito ao entrave de seus desenvolvimentos.

Ron enquadrou o passo-a-passo da trajetória dos disléxicos em uma linha do tempo muito interessante, baseando-se em sua própria experiência de vida, no trabalho com mais de 1000 disléxicos e no dia-a-dia de sua instituição voltada para a mudança de desenvolvimento destas pessoas.

Seu objetivo teria sido elucidar esse processo que, de acordo com ele, não permitiria as pessoas disléxicas a atingirem todo seu potencial.

1) Uma criança que é potencialmente disléxica descobre como preencher mentalmente percepções fragmentárias em uma idade de três meses. Este talento imaginativo pode mais tarde produzir dislexia.

2) Durante a primeira infância, a criança usa esse talento para reconhecer objetos no ambiente e desenvolver talentos artísticos e cinestésicos. A criança se torna um pensador visual e conceitual.

Há pouca necessidade de desenvolvimento do pensamento verbal, um modo de pensar mais lento caracterizado por um monólogo interno de palavras.

3) Espera-se que a criança comece a ler no jardim de infância ou na escola primária. A linguagem escrita – composta de símbolos fonéticos – é um enigma. Por esta altura, a criança desorienta automaticamente as percepções para reconhecer e compreender as coisas no ambiente.

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Funciona bem com o mundo real, mas ver as letras impressas de cabeça para baixo ou invertidas ou na ordem errada torna-as menos reconhecíveis.

4) A criança se torna cada vez mais confusa, o que produz mais desorientação. A criança suspeita que algo está errado. Isso é confirmado pelo professor, pelas outras crianças da turma, pela administração da escola e, eventualmente, pelos pais.

Todo mundo fica chateado, então a criança “cognitivamente desafiada” também fica chateada. Agora podemos ver problemas de comportamento.

5) A menos que alguém intervenha e forneça métodos de aprendizado apropriados, a criança não tem escolha a não ser lutar com a escola enquanto tolerável, possivelmente em uma classe de Educação Especial ou sob a influência de drogas como Ritalina ou Cylert.

6) Na idade de oito ou nove anos, a criança inventa truques como a memorização, a repetição e o delegar para outros o fazer de leituras e escritas. Em aulas práticas como ciência, música, arte ou loja, essa criança pode se sobressair, mas aulas que exigem muita leitura e escrita são torturas.

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7) A menos que haja intervenção apropriada de alguém que demonstre compaixão e respeito, a autoestima da criança disléxica sofrerá.

8) Depois de escapar da escola, a pessoa começa a superar ou contornar a “desvantagem” de ser funcionalmente analfabeto. Os disléxicos frequentemente se destacam no trabalho, embora sejam funcionalmente analfabetos.

9) No momento em que o disléxico se torna adulto, a incapacidade de ler e escrever bem é um segredo vergonhoso. A pessoa está convencida de que é um sinal não apenas de ignorância, mas de indignidade. Essa infeliz auto percepção pode tornar os disléxicos adultos secretos e hostis.

(Fonte: Davis, 1995)

Considerações Finais

Algo que chama a atenção quanto ao tema da dislexia e a teoria de Ron, são suas recorrentes aparições na vida de mentes brilhantes da história da humanidade. Albert Einstein, Thomas Edson, Charles Darwin, Leonardo da Vinci, Muhammad Ali, Walt Disney; todos esses ícones eram disléxicos e incrivelmente geniais.


O método de Ron, hoje ensinado em 44 países, é muito simples e permitiria ao disléxico, adulto ou criança, através de exercícios simples, criar um sistema próprio de leitura. A partir daí, a criatividade e a imaginação fariam o resto.

Os resultados práticos do método são extraordinários, e levaram a que “O Dom da Dislexia” se tornasse o livro mais vendido do mundo nesta área.

No livro, encontra-se o programa explicado passo-a-passo, e também as respostas para todas as dúvidas sobre a dislexia – numa linguagem clara, em letras grandes, escrita por uma pessoa que soube tornar a dislexia um poderoso aliado.

Segundo Ron, restaurar a autoestima de uma pessoa seria realmente uma das partes mais importantes para se desconstruir a dislexia e outros problemas de aprendizagem, incluindo o DDA e a hiperatividade, que podem estar dificultando seu dia-a-dia.

Os procedimentos descritos em “O Dom da Dislexia” geralmente permitem que uma pessoa com “deficiência de aprendizado” ganhe habilidades básicas de alfabetização por meio de um programa de 30 horas. Depois de alguns meses de aulas em casa, a maioria pode ler, escrever e estudar normalmente (Davis, 1995).

Desconstruir a visão que eles mesmos tem de si, de que seriam estúpidos ou atrasados, é o resultado mais valioso do treinamento (Davis, 1995). Focando na experiência pessoal e em toda a capacidade que a pessoa tem para desenvolver, Ron tem sido capaz de mudar vidas para sempre utilizando-se de sua sabedoria e abordagem.


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