Saúde mental no trabalho – Porque cuidar da nossa saúde psicológica é tão importante?

Em paralelo ao desenvolvimento das sociedades e da construção de novas lógicas de trabalho, temos que o tema saúde mental no trabalho tornou-se um tema bastante relevante, especialmente diante do crescimento de indústrias e empresas que exigiam disposições cada vez mais intensas de seus funcionários.

Tendo esse cenário em vista, rotinas exaustivas e o aumentar das pressões por resultados nos ambientes de trabalho tornaram-se experiências comuns dentro desses lugares. A questão “saúde mental no trabalho” surge em um contexto de contestações a respeito das lógicas trabalhistas até então presentes.

Mesmo hoje – ainda que tenhamos dado passos importantes –, pessoas ainda sofrem com condições pouco cuidadoras de trabalho, com o descaso empresarial/industrial e com a falta de respaldo em situações de desemprego. Esses elementos, como se constata em pesquisas, fomentam uma saúde mental extremamente pouco saudável.

Diante desse quadro, no artigo de hoje trataremos sobre o tema saúde mental no trabalho visando explicar alguns pontos importantes sobre ele. Profissionais da saúde e profissionais de outras áreas; ambos podem se beneficiar em muitos sentidos ao lerem sobre esse tema. Ele está presente na vida de todos e nós devemos nos atentar a ele.

Saúde mental no trabalho: uma história sobre Psicologia

Durante o início do século XX, com a expansão da indústria e o desenvolvimento da produção em larga escala, os efeitos do trabalho sobre as partes psicológicas do trabalhador ainda eram percebidos, fundamentalmente, como empecilhos da produtividade ou como pendências organizacionais.

Em relação a psicologia, esse modelo de produção passa a representar uma aproximação definitiva entre psicologistas e o mundo do trabalho, uma vez que, diante das necessidades, profissionais da área passariam a ser chamados para cuidar da seleção de pessoas, com o objetivo único de sanar problemas de rendimento dentro das empresas.

Nas décadas de 1920 e 1930, alguns estudos passam a marcar o reconhecimento de fatores psicológicos como essenciais para o aumento da produtividade dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que pesquisas sobre motivação, satisfação no trabalho e cultura organizacional passam a ser realizadas (Jacques, 2007).

É um momento em que a ideia de organização se consolida enquanto objeto de estudos da ciência psicologia. E que, ao mesmo tempo, diferentes escolas no campo da administração de pessoal passam a recorrer aos conhecimentos da área para sustentar seus princípios e desenvolverem suas ações (Jacques, 2007).

Em contradição ao que conhecemos hoje por saúde mental no trabalho, a utilização da psicologia enquanto ferramenta era realizada, hegemonicamente, com o objetivo de classificação e adaptação dos trabalhadores, com base em normas compatíveis com a riqueza, e que em nada se comprometiam com o bem estar real do trabalhador.

A percepção de saúde mental no trabalho somente passa a ser constituída a partir da década de 1950, quando o movimento de psiquiatria francesa empregaria, pela primeira vez, sob as palavras de Sivadon (1952 apud Jacques, 2007), a ideia de psicopatologia do trabalho – um marco fundamental para diversos estudos posteriores.

Nesse estudo, a principal preocupação de Sivadon, por exemplo, estaria no caráter terapêutico do trabalho, que de acordo com ele, poderia exibir efeitos positivos nas pessoas – naquela época – classificadas como portadoras de distúrbios psicológicos.

Na mesma linha, Le Guillant (1956 apud Jacques, 2007), ao constatar um número significativo de empregadas domésticas nos hospícios franceses, desenvolveria outras pesquisas importantes, então com o objetivo de demonstrar a existência de uma relação causal entre o contexto de trabalho e o surgimento de debilidades psicológicas.

Concepções teóricas que não dariam conta da multiplicidade e complexidade da constituição do ser humano e perspectivas reducionistas na compreensão da saúde mental são algumas das explicações para a relativa invisibilidade dos vínculos entre trabalho e saúde mental no campo conceitual da psicologia ao longo do tempo (Jacques, 2007).

Essa situação – apesar dos trabalhos citados – perdurou por muitos anos, começando a ser desconstruída apenas nas décadas de 1980 e 1990, sob movimentos de intelectuais e pesquisadores, que passariam a criticar o modelo hegemônico, que insistia em classificar os trabalhadores como instrumentos, desprovidos de sentimentos e necessidades.

Eram movimentos internacionais, baseados em princípios humanísticos, que buscavam desconstruir estigmas, olhar para os seres humanos e colocar a construção de bem estar em primeiro lugar, diante de uma sociedade global que priorizava, essencialmente, o consumo e fatores da economia.

Nesse contexto, é somente sob a aproximação com o campo conceitual da psicologia social, fundamentado no materialismo histórico, que se estimula e solidifica, de fato, uma aproximação verdadeira da psicologia em relação ao que descrevemos nesse momento como saúde mental no trabalho.

Investigação e saúde mental no trabalho: como deveria funcionar nos dias de hoje?

De acordo com Sato (2003 apud Jacques, 2007), as primeiras análises da psicologia em questões referentes a acidentes e dificuldades ocupacionais – em suma, referentes a qualidade e saúde mental no trabalho – buscavam, através de métodos e técnicas psicológicas, definir o perfil do trabalhador propenso a esses eventos.

A ideia de propensão, segundo a autora, ainda se mantém no imaginário social, e se expressa através de explicações individualizantes, que diversas vezes culpabilizam o trabalhador por acidentes e causas que levariam ao seu enfraquecimento psíquico e, até mesmo, à contração de doenças fisiológicas.

A proposta atual de investigação no campo da saúde do trabalhador, ao contrário do explicitado acima, tem um outro enfoque, e se constituiu como tentativas de compreender as relações entre condições de vida e de trabalho e o surgimento, a frequência ou a gravidade de dificuldades psicológicas aparentes (Jacques, 2007).

Em forma de lista, utilizamos de algumas descrições de Lima (2006 apud Jacques, 2007) na apresentação dessa proposta. Acreditamos que ela deveria basear toda a estrutura de saúde mental no trabalho, como uma boa maneira de evidenciar dificuldades e de oferecer os auxílios necessários. Ela compreende:

– Ouvir o trabalhador a respeito de sua experiência e o que ele sente e pensa sobre ela

– Entender as condições atuais de vida do trabalhador (família, contexto social, acesso a serviços, escolaridade, renda mensal…)

– Resgatar a história de vida do trabalhador e a procurar por razões que também possam ter relação com suas dificuldades

– Estudar detalhadamente, como um todo, o trabalho dessa pessoa (tarefas, condições, elementos sociais, rotina, organização…)

– Identificar elementos que permitam compreender concretamente como se deu a passagem entre a experiência no trabalho e o surgimento de dificuldades

– Buscar evidências epidemiológicas que revelem uma possível incidência de alguns quadros em determinadas categorias profissionais e grupos de trabalhadores

– Obter uma complementação com informações decorrentes de exames médicos e psicológicos

Em casos de precariedade e deterioração psicológica do trabalhador, os cuidados devem priorizar sempre a pessoa e suas condições atuais. Escutar torna-se uma ferramenta importante, na medida em que somente a pessoa sabe exatamente sobre o sofrimento que sente. Cuidar do bem estar do indivíduo será sempre algo fundamental.

Mundo contemporâneo e saúde mental no trabalho: subjetividade e trabalho

Ao longo dos anos, as conexões construídas entre diferentes sociedades, definidas como parte estrutural do que acostumamos a chamar de globalização, causaram transformações no mundo do trabalho. De um lado, avanços na tecnologia; de outro, a difusão de problemas como a precariedade econômica e a precariedade social.

Em meio a um contexto como esse, temos que empresas, instituições e áreas tradicionais da saúde ainda se encontram atrasadas – ao menos em aplicação de medidas – em relação a forma como enxergam o trabalho; que além de mediador social, tem uma importância fundamental na construção da subjetividade das pessoas.

De acordo com Seligmann-Silva et al. (2010), ainda se priorizam os aspectos físicos, mecânicos e biológicos nos ambientes de trabalho como fatores de risco à saúde dos trabalhadores, ao passo que aspectos sociais, econômicos e organizacionais, assim como os processos psicossociais e seus efeitos sobre a individualidade do trabalhador, seriam minimizados ou ignorados.

Em se tratando da influência que as características dos trabalhos podem exercer sobre a vida e saúde mental dos trabalhadores, temos uma lista imensa de exemplos. Mas em geral, a anulação da subjetividade humana para que a produção não seja prejudicada e metas possam ser cumpridas, está entre as primeiras posições dessa lista.

Sobre saúde mental no trabalho, Linhart (2009 apud Seligmann-Silva et al., 2010), afirma que, mesmo aqueles que se encontram em uma situação aparentemente privilegiada, com vínculos de trabalho estáveis, experienciam frequentemente inseguranças sob o que denominou de “precariedade subjetiva”.

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A autora também nos fala sobre a “precariedade objetiva”, que ocorre quando trabalhadores(as) sem vínculo de trabalho com instituições, trabalham vivendo sem segurança empregatícia, sob uma ameaça constante, que os levam, fatalmente, a situações de perda de poder aquisitivo, isolamento social e dificuldades de vida.

Em um contexto como esse, como se sabe, a ausência de políticas públicas de reabilitação profissional, social ou de reinserção no mercado de trabalho, são os ingredientes finais para um processo bem sucedido de exclusão e reprodução de desigualdades socioeconômicas.

A saúde mental no trabalho surge de acordo com as exigências necessárias de que se construam essas políticas com base na articulação de setores do governo, do trabalho e da saúde, que possam promover ações de prevenção e assistência, e que estejam fundamentadas em mudanças estruturais e organizacionais no trabalho e nas empresas.

Em resumo, o que se diz é que a subjetividade do trabalhador, no que concerne a sua vida e saúde mental, importa. E que essa assistência multifatorial, entendida sua importância, é algo mais do que necessário para que se possa garantir o bem estar de quem trabalha e a construção de sua individualidade.

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Atualmente, estas mudanças tem caminhado para frente, mas ainda se batalha contra uma ideologia presente na sociedade. Conscientizar todas as partes parece o mais proveitoso, visto que o trabalho se compõem entre saúde, sociedade, administração e funcionários. Uma boa saúde mental no trabalho nos parece algo benéfico para todos.

Explicações teóricas para o sofrimento psicológico no trabalho

De acordo com Dejours (1992 apud Heloani e Capitão, 2003), executar uma tarefa sem envolvimento material ou afetivo exige um esforço de vontade que, em outras circunstâncias, seria algo mais facilmente suportado pela relação espontânea entre desejo e motivação.

Em casos como esses, a vivência depressiva em relação ao trabalho se alimentaria pela prevalência do condicionamento duro em relação ao comportamento produtivo e agradável, que em definição, aconteceria quando o relacionamento sujeito e objeto (trabalho) não exibiria mais progresso e ocasionaria, consequentemente, tipos de sofrimento.

De acordo com Heloani e Capitão (2003), a saúde mental no trabalho seria afetada pela insatisfação propiciada pelos conteúdos insignificativos das tarefas a serem realizadas, transformando-se em sofrimento bem particular, cujo alvo, no final das contas, seria a subjetividade da pessoa e suas capacidades mentais.

O ego, nessa explicação, não podendo atingir a satisfação de determinadas vontades, tensionaria o aparelho psíquico individual, gerando então angústias, estados depressivos, ansiedades e medos inespecíficos, que desse momento em diante, se tornariam sinais marcantes desse sofrimento mental.

Em sua obra escrita no fim do século XX, Dejours (1994 apud Heloani e Capitão, 2003) classificou o sofrimento em relação ao trabalho em dois tipos que chamou de sofrimento criativo e sofrimento patogênico, e que ainda podem ser facilmente reproduzidos em nossa realidade.

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Em relação ao sofrimento patogênico, Dejours afirma que seu surgimento acontece quando todas as possibilidades de transformação e gestão da forma de organizar o trabalho tivessem sido tentadas, e somente pressões rígidas, fixas e repetitivas, permanecessem, assim, configurando uma sensação generalizada de insatisfação.

Diferente disso, Dejours descreve o sofrimento criativo quando as ações no trabalho fossem criativas, possibilitando a modificação do sofrimento inerente as tarefas, contribuindo para uma estruturação positiva da identidade, aumentando a resistência da pessoa a possíveis formas de desequilíbrio e, consequentemente, melhorando a sua vida.

Essas classificações exibiriam lados opostos de uma mesma realidade que, em diversos lugares, continua mesmo hoje. Elas servem para afirmar a existência de diferentes possibilidades para o trabalho, explicitando uma negatividade que existe, assim como um lado positivo que confirma uma saúde mental no trabalho possível.

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Nesse sentido, prazer e sofrimento originam-se de uma dinâmica interna das situações e da organização do trabalho. São decorrências das atitudes e dos comportamentos franqueados pelo desenho organizacional, cuja tela de fundo constitui-se de relações subjetivas e de poder (Heloani e Capitão, 2003).

Os modelos de interpretação e estudo sobre saúde mental no trabalho

Historicamente, diferentes modelos de interpretação têm estudado aspectos da saúde mental que podem estar relacionados ao trabalho, tais como a exaustão, situações de estresse, a baixa sociabilidade e outras dificuldades que seriam mediadas por outros elementos como a dominação, situações de violência e a anulação de si mesmo (Seligmann-Silva et al., 2010).

Em resumo, descreveremos os quatro principais modelos de interpretação, com intuito pedagógico e informativo, para que se entenda melhor a importância que todos têm para um tema tão importante quanto esse, como uma mescla de saberes que buscam compreender uma única realidade complexa.

Dentre eles, temos no modelo baseado na teoria do estresse um referencial básico fundamentado na fisiologia, coerente com as perspectivas behavioristas, que olham a repetição de comportamentos e situações como possíveis precursores de dificuldades mentais – nesse caso, do trabalho como possível fator desencadeador de um processo.

No modelo baseado na psicodinâmica do trabalho, fundamentado nos preceitos da psicanálise, as ideias estariam concentradas nos processos interiores ao trabalhador, ao mesmo tempo em que se preocupariam também com a estrutura do trabalho, as relações interpessoais estabelecidas e seus efeitos na saúde mental do indivíduo.

Um terceiro modelo, baseado no materialismo histórico marxista, teria como fundamental processos históricos do trabalho e a ideia de desgaste mental, entendendo as dificuldades psicológicas como consequências do consumo das energias vitais do trabalhador pela estrutura do trabalho e seus processos desgastantes.

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E o último modelo dessa lista, que estaria baseado nas ideias de subjetividade e trabalho, buscaria na vida e nas experiências do trabalhador seus elementos fundamentais de análise para a origem de dificuldades mentais, mesclando com aspectos do trabalho, marcando a ausência de ênfase em concepções de patologias estritamente biológicas.

Saúde mental no trabalho e a importância em cuidar de si mesmo

Mesmo que o trabalho seja algo fundamental em função da atividade em que nos coloca e do dinheiro que ganhamos para que possamos sobreviver em sociedade, uma das coisas que ele não nos retorna diz respeito ao tempo que poderíamos usar para estarmos com quem amamos, realizando coisas que realmente amamos.

Pensando sobre bem estar, sabemos que muitas pessoas sofrem por estarem em trabalhos que não gostam e se tornam infelizes por conta disso, investindo seu tempo em atividades que as desgastam mental e fisicamente, as vezes sem perceberem o mal que fazem a sua própria saúde.

Diante disso, surge a importância em cuidar de sigo mesmo e fazer do próprio tempo valer enquanto estamos vivendo. Ter ambição é importante para que se chegue aonde deseja, mas a que custo devemos nutrir excedentes desse sentimento, quando temos uma vida boa para ser vivida e uma felicidade que não mora ao lado de dinheiro algum?

Ter saúde mental no trabalho pode ser um passo importante quando falamos sobre viver nossa vida, usar bem do nosso tempo e aproveitar nossa passagem ao lado daqueles que amamos. Nosso trabalho é importante, mas quem mede nossos limites e o equilíbrio que colocamos em nosso relacionamento com ele somos apenas nós mesmos.

Não vamos nos estender na mensagem, mas ter consciência sobre esse assunto é algo fundamental para entendermos a respeito do sofrimento que queremos evitar. Pessoas até atentam contra a própria vida por causa de seus empregos ou mesmo pela falta deles, e transmitir essas informações pode ser algo valioso na busca por prevenção.

Por esses motivos, buscamos que todos preservem suas vidas, seus tempos e, em se tratando de trabalho, que construam algo bom e positivo em relação a ele; que seja uma fonte que supra algumas necessidades, mas que não seja o guia de nossas vidas; que busquemos uma vida boa, mas que saibamos de onde vem nossa verdadeira felicidade.



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2 Comentários


  1. Gosto muito de seus materiais, de forma clara e limpa que escreves, facilitando assim a compreensão do tema. Um abraço, obrigada por compartilhar teus conhecimentos.

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    1. Bom dia, Thais! Tudo bem com você?

      Muito obrigado pelos elogios, eu e toda a equipe do CENAT ficamos muito felizes em saber que você gosta do trabalho que fazemos. Nós é que te agradecemos por estar com a gente! Um grande abraço e até logo!

      Responder

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