Open Dialogue: O Diálogo em benefício da Saúde Mental

Considerando os diversos tipos de tratamento desenvolvidos ao longo dos anos dentro do campo da saúde mental, o método Open Dialogue surge como um divisor de águas no que diz respeito ao tratar da esquizofrenia, das psicoses e de outros transtornos.

Objetivando ser uma abordagem que prioriza o contato com o indivíduo e sua rede de apoio, não tendo como ferramenta o uso obrigatório de psicofármacos em seus tratamentos, seus resultados tornaram-se os melhores do mundo no que diz respeito a saúde mental individual.

Por esses motivos, abordaremos no post de hoje um pouco de sua história, de sua metodologia e dos estudos realizados buscando entende-lo em detalhes.

Sendo assim, conheça um pouco mais sobre a abordagem Open Dialogue!

Um pouco sobre a história do método Open Dialogue

Nascida na Finlândia no início da década de 1980, tendo como seu principal idealizador o psicólogo clínico Jaakko Seikkula, a metodologia Open Dialogue surge como uma forma de atenção imediata às crises psicóticas que recorrentemente eram relatadas no contexto de uma das principais regiões do país, conhecida como Lapônia Ocidental.

Desenvolveu-se no período em que se dava o Projeto Nacional Finlandês de Esquizofrenia, um projeto que tinha como um de seus objetivos principais o encontrar de novos estudos e abordagens capazes de aprimorar os tratamentos até então desenvolvidos na saúde mental do país

Tendo terreno fértil para caminhar e como referência a abordagem anterior criada pelo professor Yrjö Alanen na década de 1960 – uma abordagem elaborada com foco no cuidado as necessidades específicas de cada um a ser tratado – seus princípios vão sendo forjados com o mesmo sentido.

É assim, dentro deste contexto, que o grupo de Seikkula inaugura o modelo de Diálogo Aberto na Finlândia, envolvendo os sistemas de apoio à saúde do cliente e realizando, através de unidades de tratamento formadas por equipes móveis, este novo sistema de tratamento centrado na família, no indivíduo e em suas redes de apoio.

A metodologia Open Dialogue teria contribuído para uma significativa redução da incidência de casos de esquizofrenia na província da Lapônia Ocidental, fazendo com que o número de usuários de suas redes de apoio mental, nessas condições, diminuísse expressivamente com passar dos anos.

No que consiste a abordagem Open Dialogue

Tendo em vista a centralidade que o método dá a experiência do indivíduo como um todo, tem-se, em primeiro lugar, no diálogo e na tolerância para com o tratado, os princípios fundamentais que norteiam todo o tratamento.

Seu espaço de interação terapêutica mais importante seriam às reuniões, momentos em que por meio da conversa coletiva entre usuário, membros de sua rede de apoio e os próprios terapeutas, seriam discutidos os principais assuntos relacionados às dificuldades enfrentadas por ele e como fazer para construir algo em prol de sua saúde e recuperação.

De forma transparente, as decisões e o plano de ação seriam assim construídos na presença de todos do grupo.

As funções das reuniões de tratamento, a cargo do que nos diz o próprio fundador do método, Jaakko Seikkula, estariam baseadas em reunir informações sobre o problema.

Outras seriam: elaborar um plano de tratamento; tomar as decisões necessárias com base no diagnóstico feito; e gerar um diálogo psicoterapêutico constante (Seikkula, 2007).

A chave do tratamento estaria também em torno da linguagem das famílias, algo levado com seriedade pela equipe responsável, que passa a adaptar sua própria linguagem à forma de linguagem exibida por elas, analisando os sentidos que estas dão para o problema encontrado, de maneira a escuta-las recorrentemente.

Por esse ângulo, as equipes de tratamento compreenderiam as alucinações ou delírios psicóticos como mais uma das vozes que formam a experiência do individuo, de modo que, aparecendo ou não durante os diálogos, inicialmente, essas reações não seriam confrontadas.

Os indivíduos seriam incentivados a expressá-las como parte natural do processo de tratamento.

Em curto prazo, essas concepções permitiriam aos membros da equipe o promover de discussões reflexivas entre si a respeito das informações ali representadas, inclusive podendo contar com a presença de membros da família como ouvintes/espectadores.

Normalmente, como as experiências narradas pelos indivíduos em crise psicótica estão associadas a situações traumáticas vividas por eles, acaba sendo em função disso que agem os terapeutas em atendimento.

Nesses casos, a equipe de tratamento procura, então, explorar minuciosamente os pontos que estavam em discussão quando as reações psicóticas ocorreram, compreendendo que este ponto pode ter tocado em experiências não verbalizadas.

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A fala psicótica pode assumir a função de denunciar, de maneira dramática, os conteúdos conflitantes que circulam ou circularam no sistema familiar.

Dado esse cenário, uma das principais funções da equipe torna-se o auxiliar da rede do indivíduo com o fim de que esta se aproprie também do protagonismo ao redor do problema, mantendo uma postura dialógica frente a cada forma de expressão do indivíduo.

Sempre se busca nesse sentido promover a construção de uma nova compreensão da experiência comum como um todo para todos.

Um adendo importante se da ao fato de que outros métodos de tratamento tradicionais e não tradicionais podem ser úteis e ocorrerem paralelamente à terapia familiar em atividade.

O tratamento pode ser combinado com psicoterapia individual, a arteterapia, a terapia ocupacional, dentre outros tipos.

Pode acontecer também, em algumas situações de crise psicótica, do enfoque acabar sendo voltado para a reabilitação psiquiátrica – quando já há o uso prévio da medicação – e/ou vocacional do indivíduo.

Em suma, o método do Diálogo Aberto compartilha dos objetivos construtivistas em psicoterapia no sentido de construir um discurso não de patologia sobre os problemas dos pacientes, de respeitar as narrativas pessoais do problema e atribuir importância ao contexto do tratamento (Queiroz, 2014).

Essas idéias construtivistas chamam a atenção para a responsabilidade dos terapeutas na co-construção do problema, na medida em que elaboram o tratamento.

Os terapeutas construtivistas não julgam a realidade de um usuário com base em um critério externo de objetividade, portanto compreenderiam que não há forma absoluta de psicose (Queiroz, 2014).

Os 7 princípios fundamentais da abordagem Open Dialogue

Presente hoje em diversas redes de saúde mental ao redor do mundo como um “approach” reconhecido internacionalmente por seus resultados, estes seriam os 7 princípios fundamentais da abordagem Open Dialogue:

1) Ajuda imediata. O primeiro encontro ocorre nas primeiras 24 horas após o contato inicial e tem como objetivo principal a prevenção da hospitalização.

2) Uma perspectiva de rede social. As primeiras reuniões podem contar com os usuários dos serviços, suas famílias e outros membros importantes de suas redes sociais, estes últimos são convidados a oferecer apoio ao usuário e à família.

3) Flexibilidade e mobilidade. O tratamento é adaptado às necessidades específicas e cambiantes de cada caso e, havendo a aprovação da família, ocorre na residência do paciente.

4) Responsabilidade. A organização da primeira reunião fica a cargo do profissional que fez contato com a família. O tratamento é deliberado nessa ocasião.

5) Continuidade do acompanhamento psicológico. Todo o tratamento fica sob a responsabilidade da mesma equipe, pelo tempo que for necessário, seja no setor ambulatorial como de internação.

Da mesma forma, os representantes da rede social participam de todas as reuniões de tratamento.

6) Tolerância à incerteza. Para desenvolver tolerância à incerteza na equipe e na família, um sentimento de confiança é fomentado em relação ao processo como um todo.

Em crises psicóticas, o sentimento de confiança ganha mais força com a realização de reuniões diárias, pelo menos nos primeiros 10 a 12 dias.

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A partir disso, o agendamento das reuniões é guiado pelos interesses da família. A rigor, o contrato terapêutico não é estabelecido durante o período de crise, para evitar conclusões e decisões precipitadas sobre o tratamento.

7) Dialogismo. A promoção de diálogo é o foco primário, e o foco secundário é a promoção de mudanças no usuário ou na família.

O diálogo é concebido como meio de fomentar o protagonismo dos usuários e dos familiares nas narrativas das suas próprias vidas ao conversarem sobre seus problemas. Na conversa, novos olhares são criados a partir da relação entre os participantes.

(Fonte: Kantorski, 2017)

Dados e pesquisas sobre o método Open Dialogue

A confiabilidade que adquiriu a abordagem do Diálogo Aberto ao longo dos anos não se deu atoa.

Pesquisas, dada a excelência do método, foram realizadas ao redor do mundo, assim como na própria Finlândia, com o fim último de chegar a conclusões mais detalhadas sobre ele.

Em acompanhamento realizado na própria Lapônia Ocidental por exemplo, Harlane Anderson, psicoterapeuta americana e também escritora de diversos livros sobre o tema, relatou em seu artigo que, na prática, esse trabalho representaria um significativo desafio às crenças e tradições de diversos tratamentos.

Isso porque ele consistiria em uma abordagem dialógica na qual o terapeuta/profissional deve respeitar e aprender sobre os pacientes, suas experiências e entendimentos, considerando que isto deve ter precedência sobre sua própria compreensão (Anderson, 2002).

Jill Gromer, em outro estudo, este realizado pela Universidade da Flórida, afirmou que o Diálogo Aberto teria sido associado a um melhor funcionamento social dos indivíduos, a menores quantidades de dias dentro de hospitais e a números menores de ocorrência de sintomas em pessoas com um primeiro episódio de psicose em seu histórico.

Estudos mais recentes teriam apontado para uma associação ainda maior do Diálogo Aberto com poucos dias de permanência no hospital, o que mostraria uma evolução na abordagem e um certo refinamento dessa prática (Gromer, 2012).

No sul da Noruega, entre 1998 e 2008, foram instaurados três programas para a promoção do Diálogo Aberto na região, tendo Jaakko Seikkula participado de todos eles, quais sejam:

1) ensinando a base para abrir diálogos;

2) supervisionando clinicamente terapeutas locais e usuários de serviços de saúde mental;

3) concepção de pesquisa e projetos.

Segundo a análise desses programas, os dez anos de implementação dessas práticas dialógicas no sul da Noruega produziram resultados positivos relativos à execução, à educação e ao aumento de pesquisas e projetos sobre o tema (Ulland, 2014).

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Em pesquisa realizada na Polônia, constatou-se que a abordagem do Diálogo Aberto seria uma abordagem alternativa com o poder de contribuir para a redução do uso de psicofármacos, constituindo-se como um recurso diferenciado em relação aos tratamentos usuais da esquizofrenia, podendo oferecer grandes benefícios para os seus usuários (Klapcinski; Wojtynska; Rymazewska, 2015).

E por fim, em artigo de revisão publicado por especialistas australianos em 2014, foram apontados resultados exitosos do tratamento com o Diálogo Aberto na intervenção imediata a crises psiquiátricas de indivíduos no país, relatando a necessidade de uso mínimo de medicação e os melhores resultados confirmados na Austrália desde sua incorporação ao sistema terapêutico do país (Lakeman, 2014).

Por que conhecer um pouco mais sobre a abordagem Open Dialogue?

Pesquisadores ao redor do mundo vêm reconhecendo a capacidade do método Open Dialogue; um método que chama atenção, dentre muitos fatores, pela sensibilidade e humanidade presente em seus contatos.

Pensando sempre em primeiro lugar na experiência dos indivíduos e em suas visões daquilo que sentem ou das dificuldades que vivem, tal abordagem tem revolucionado a forma da psicologia e da psiquiatria olhar para estas pessoas.

Comprovado em pesquisas, renomado por suas implicações práticas, a metodologia Open Dialogue vale a pena ser conhecida um pouco mais a fundo.

Seus princípios podem ser aplicados das mais diversas formas, nas mais diversas áreas, pensando em saúde mental. Documentários, textos, congressos…Vale a pena conhecer um pouco mais!


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9 Comentários


  1. Maravilhoso esse material, me ajudou muito a entender sobre as estrategias a ser utilizada na saúde mental.

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    1. Mas o problema na Esquizofrenia está no dialogo Paciente/família /Médico,Levar ao médico é quase impossível (para não meter Policia) a medicação pelo menos com o meu filho vai fazendo 2º o parecer dele depois de grande diálogo Pai/filho.Relação com a mãe facilmente é abusiva uma vez que sabe que a mãe é o ELO mais fraco, Trabalho com ocupar um jovem e com fazer com que entre em dialogo como especialista.? Para mim estas sãs as respostas que eu gostava de ajuda (o meu filho até esteve 2 anos ,até ao surgir uma dificuldade e não o quererem ajudar ele saiu e agora com esta pandemia,mais complicado está tudo,tem ajuda ?

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  2. Acompanho o trabalho do open dialogue de Jaakko Seikkula a algum tempo. Sei que ele veio para o Brasil e fiquei sabendo depois. Gostaria muito de saber mais sobre e se vocês pretendem trazê-lo para o Brasil novamente.

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  3. Parabéns pelo artigo com fundamentação por pesquisas científicas. Gostaria de ter conhecimento das referências acadêmicas citadas. Poderiam fornecer as referências completas utilizadas no artigo? Obrigado

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  4. Quando se fala de saúde mental , o foco é o sujeito que necessita de apóio da rede é muito complexo respeitando a individualidade de cada um. Não existe abordagem certa ou errada . Aquele que sofre necessita ser ouvido e ter apoio da rede de cuidado .Open Dialogue é mais uma proposta de novos saberes PP ara nos ajudar a lidar com um tema tão complexo.

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  5. Seria interessante disponibilizar as cidades brasileiras e os CAPS onde já acontece a intervenção Open Dialogue para sugerir também para outras pessoas que tenham interesse de buscar este tipo de tratamento.

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  6. Boa noite!
    Prof. Pablo, por gentileza, seria possível disponibilizar o contato das pessoas ou a pessoa que esta aplicando OPEN DIALOGUE? Ou seria você mesmo? Trabalho no estado do Espírito Santo com saúde mental em um CAPS 1 e também sou tutora do programa de residência multiprofissional em saúde mental e, por considerar, a diversidade nas abordagens terapêuticas de tão grande importância, inclusive, o open dialogue, seria uma honra para nós, corpo docente da residência, poder apresentar aos residentes essa abordagem terapêutica por um expert no assunto.
    Prof. esse relato é um convite para uma conversa online com um grupo de residentes em saúde mental.
    Desde já agradeço a atenção.

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