O papel da diversidade nos tempos atuais assume importância inédita na história humana. Isso porque, embora fundamental e inevitável, o diverso nunca foi aceito.
A relação entre os grupos sociais humanos sempre foi dividida entre “nós” e “eles”, entre aqueles que compartilham de uma série de costumes e aqueles que diferem destes.
Acontece que na relação entre as culturas humanas, o entendimento da cultura “deles” nunca foi visto como algo diverso ou novo, e sim como algo divergente, algo a ser reparado.
Se tomarmos como exemplo as principais doutrinas religiosas da Idade Moderna veremos que todas elas tinham o intuito de homogeneizar o conhecimento humano a uma única perspectiva.
Se consideravam as detentoras da verdade absoluta, dos bons costumes e do direito de guiar a humanidade ao seu destino final. Os demais conhecimentos eram combatidos à ferro e à fogo. A diversidade queimava na fogueira.
E assim foi durante muito tempo. Muitas guerras foram travadas pelos seres humanos não conseguirem lidar com a diversidade existente, por acharem que apenas um estilo de vida era o correto.
Isto porque antes não se tinha os meios de comunicação necessários para se estabelecer o convívio de culturas diametralmente opostas.
Se acontecesse, o contato não seria de respeito, mas de intolerância. Cada grupo conhecia apenas aquilo que estava delimitado a sua área de convívio.
Se crescêssemos em uma família cristã portuguesa do século XV, por exemplo, muito provavelmente teríamos exclusivamente uma perspectiva da vida: a de um cristão que conhece apenas as leis de sua própria religião e que não pensa, não considera e não avalia as leis e os conhecimentos de nenhuma outra, porque, para encontrar alguém com experiências, costumes e valores diversos seria necessário percorrer um grande espaço e tempo, o que tornaria inviável a imersão e o conhecimento em culturas diferentes.
Assim, o paradigma moderno das relações culturais dos grandes grupos humanos não era baseado no convívio, e sim no domínio.
Quando acontecia o contato entre as diversidades, ele era feito com a intenção de apagar a manifestação do outro e nunca com a intenção de aprender algo novo com ele.
Isto porque cada grupo social não conseguia enxergar padrões culturais de comportamento diferentes do seu, fazendo com que os grupos considerassem toda a diversidade externa a sua própria cultura como uma “barbárie” a ser combatida.
Porém, a guerra contra a diversidade atinge parâmetros alarmantes. Os nacionalismos europeus do século XIX desencadeiam a Primeira Guerra Mundial.
E, como se não bastasse toda a destruição generalizada da primeira vez, os grupos sociais responsáveis pela guerra, ao invés de reconhecerem os próprios erros, responsabilizaram outros grupos para justificarem as falhas cometidas.
Com o paradigma moderno embutido, um programa ideológico começa a ser formado que convence o povo alemão que eles não são responsáveis por todas as vidas perdidas na guerra e por toda destruição causada, a culpa foi colocada sobre os judeus e em todos aqueles que não eram pertencentes à “raça ariana alemã”.
Ideologia que desencadeou a política nazista e a Segunda Guerra Mundial. A diversidade morre novamente, só que dessa vez ela morre milhões de vezes.
Quando os Aliados encontram os campos de concentração de Auschwitz e os relatos dos judeus resgatados vêm à tona, ficam escancaradas as capacidades de crueldade do ser humano quando declaram guerra contra a diversidade.
Ficam escancaradas todas as atrocidades que um dia já foram cometidas por conta de uma ideologia traiçoeira.
Em paralelo a isso, durante o século XX, o conhecimento sobre as relações culturais humanas foi sendo cada vez mais lapidado por antropólogos, sociólogos e linguistas.
Em especial, o trabalho de Franz Boas causou um grande impacto para o entendimento das relações culturais. Intitulado de “o pai da antropologia moderna”, Boas é considerado o responsável por introduzir o conceito do relativismo cultural ao paradigma da contemporaneidade.
Segundo Boas, para analisar o sistema de culturas podemos adotar uma visão etnocêntrica, que toma uma cultura específica como pré-conceito de outra.
Como cada grupo social possui uma ancestralidade própria, cada grupo possui um sistema de valor, de costumes e de crenças que garantem a integridade cultural da civilização.
Portanto, Boas assume que cada uma dessas manifestações culturais que temos na contemporaneidade são responsáveis pela evolução humana resultante.
Não uma delas, mas todas elas. Pela primeira vez “eles” são vistos com consideração, com respeito. Pela primeira vez a diversidade vence.
Atualmente, os fatos políticos, econômicos e sociais não possuem mais sentido se considerarmos apenas uma nação. No paradigma contemporâneo, a realidade é constituída pela pluralidade de culturas.
A luta anticolonialista de nações africanas e asiáticas deram a todas as nações o direito da autodeterminação dos povos, e as culturas hegemônicas europeias foram obrigadas a reconhecerem os direitos “deles”.
A diversidade ganha cada vez mais espaço e respeito. Além disso, com os avanços tecnológicos dos séculos XX e XXI, o tempo e o espaço foram ficando cada vez mais comprimidos.
O advento da internet permitiu com que o fenômeno da globalização se concretizasse como um fato presente na vida cotidiana humana.
Agora, as pessoas são forçadas a tomarem contato com realidades diferentes e a conviverem com isso. Fica claro que o paradigma da realidade está se transformando. O entendimento do mundo já não é o mesmo que havia anteriormente.
Porém, como toda transformação leva tempo até ser concretizada, resquícios do passado ainda assombram a diversidade.
Mesmo com tamanho contato entre as culturas, grupos conservadores sentem medo do que a diversidade pode fazer com os seus “costumes tradicionais”. Sentem medo da mudança.
Assim, mesmo com o respeito crescente face a diversidade, ainda existem pessoas que assumem uma postura defensiva e agressiva, mantendo a intolerância contra o diverso na tentativa de permanecerem na zona de conforto de tradições passadas que já não fazem parte da realidade das relações contemporâneas.
Grupos conservadores que estão desesperados com as vitórias que a diversidade alcança e que fazem de tudo para refreá-la.
Assim, a contemporaneidade vive uma contradição: mesmo com o relativismo cultural constituindo o paradigma da realidade contemporânea, as pessoas ainda estão permeadas de preconceitos sobre outras vivências, o que em casos extremos geram os problemas sociais tão estudados atualmente: o racismo, o machismo, a homofobia e a xenofobia.
Mas, embora esses problemas existam, atualmente são discutidas maneiras por grandes grupos e por grandes instituições de atenuá-los para, futuramente, extingui-los.
Dessa forma, a diversidade poderá pela primeira vez coexistir de forma pacífica entre os seres humanos.
Portanto, o papel da diversidade no período contemporâneo é histórico, pois ele é o responsável por guiar a humanidade a um outro patamar de evolução.
É o responsável por fazer com que a humanidade repense suas atitudes para formar um mundo novo, um mundo melhor para todos.
Diversidade e Saúde Mental:
A diversidade é o agrupamento que reúne múltiplos aspectos, diferentes entre si, podendo gerar estímulos sociais com resultados extremamente positivos, quando entendida como possibilidade de compreensão e aprendizado com o outro.
Porém, pode também produzir resultados dolorosos e negativos, especialmente em situações em que associa o diferente ao que se desconhece, se afasta e se exclui.
Constroem-se, nestes casos, barreiras que legitimam demarcações, gerando impactos
profundos na identidade dos indivíduos.
A saúde mental abarca e combina diferentes aspectos da diversidade como o social, de valores e informacional(1). Para a OMS(2), o conceito de saúde mental é análogo ao de saúde, relacionando fenômenos complexos, influenciado por diferenças culturais e pela subjetividade, uma vez que pessoas com transtornos mentais geralmente apresentam um conjunto multifacetado de necessidades clínicas e sociais.
Nesse contexto, historicamente, a diversidade na saúde mental acentuou as dificuldades individuais e coletivas do enfrentamento da “loucura”, com consequências devastadoras para as pessoas com transtornos mentais, por meio da consolidação da cultura de asilo e da banalização da reificação destes seres humanos, privados totalmente de sua individualidade. (texto Carla Aparecida Arena)
E dessa vez, a diversidade não morre, ela nasce com muita vontade de revolucionar.
REFERENCIAL:
Diversidade e Saúde Mental: potencial de
exclusão ou diálogo? Carla Aparecida Arena Ventura http://pepsic.bvsalud.org/pdf/smad/v11n4/pt_01.pdf