Estratégias profissionais para o manejo à crise em Saúde Mental

A crise em saúde mental é um fenômeno que desperta o interesse de muitos pesquisadores da área e desafia diariamente o trabalho do(a) profissional que lida com o cuidado do usuário(a).

Tanto que, a Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS) disponibiliza o módulo 4 inteiro para tratar do cuidado às pessoas em situação de crise e urgência psicossocial.

Assim, estudar, conhecer e compreender a crise é de fundamental importância para que o(a) profissional da saúde mental possa fornecer o melhor cuidado possível ao usuário(a).

Por isso, no post de hoje vamos trazer algumas estratégias práticas e objetivas para os(as) profissionais da saúde mental adotarem no seu dia a dia de cuidado com os usuários(as) que vivenciam um momento de crise.

Portanto, a seguir traremos 6 estratégias fundamentais para que o profissional tenha um cuidado acolhedor que gere autonomia e promova direitos ao usuário.

Escuta ativa

A primeira estratégia pode não parecer tão inovadora assim, mas no fundo ela representa um grande diferencial entre profissionais na área da saúde mental.

Porque, fazer a escuta ativa com o usuário ou usuária em saúde mental é fundamental para realizar um trabalho coerente e significativo, mas não são todos os(as) profissionais que mantêm a atitude correta em escutar.

Pois, muitas vezes, os(as) profissionais da área da saúde mental ouvem os usuários ou usuárias com a intenção de diagnosticá-los; mas, saber ouvir o usuário ou usuária para conhecer sua experiência de vida e conectar-se com o ser humano que há por trás dela, torna-se uma atitude inovadora e diferencial entre os profissionais da área de saúde mental atualmente.

Assim, a estratégia que enfatizamos nesse primeiro tópico é ouvir o usuário ou usuária para encontrar o potencial de vida que há dentro dele(a), e não ficar procurando “doenças” que justifiquem o quadro da pessoa através de diagnósticos, porque mais importante do que saber “o que o usuário tem”, no sentido psicopatológico, é atentar para aquilo que o faz sofrer.

Dessa forma, ouvir, da forma que propomos, torna-se um ato inovador na saúde mental por considerar o usuário ou usuária como autoridade máxima de sua vida e do cuidado que deve ser adotado para ela.

Portanto, fique à vontade para perguntar tudo o que for necessário, formule ao usuário, aos familiares e a outros acompanhantes as questões necessárias para avaliar os motivos do sofrimento presente, e os riscos que traz.

Comece por perguntas simples, do tipo: “o que está acontecendo?” ou “posso te ajudar?” Crie condições propícias para que ele próprio lhe diga, se quiser e puder, em que consiste aquilo que o perturba.

É recomendável que você desenvolva a capacidade de manter em suspenso o seu próprio saber para aprender diante de cada pessoa e cada situação com o novo e o singular que chegam até você.

Por mais transtornado que o usuário esteja, ele perceberá sua disponibilidade para acolhê-lo e será sensível a ela.

Assim, procure sempre uma ocasião para conversar com o usuário, preferencialmente a sós, afinal, é ele o sujeito essencialmente afetado pelo sofrimento da situação de crise.

Com essa medida, o(a) profissional consegue conhecer melhor a experiência de vida que os(as) usuários(as) levam para dentro da clínica e, dessa forma, o(a) profissional pode encontrar a melhor conduta para realizar o melhor manejo possível nos períodos de crise dos usuários(as).

Fazer a escuta ativa é uma estratégia fundamental para os profissionais da área da saúde mental e é um dos pilares para as estratégias posteriores de manejo à crise.

Planejamento prévio da crise

Assim, após estabelecer um diálogo equilibrado e equitativo com os usuários e usuárias da saúde mental, o(a) profissional tem a abertura de realizar novas estratégias para o benefício do cuidado ao(à) usuário(a).

Porque, se conseguirmos realizar uma boa conversa com o usuário, ele próprio pode nos ajudar a elucidar a situação, muitas vezes aportando informações importantes sobre sua história, sua situação e seus sintomas.

Contudo, um usuário muito desorganizado, mesmo receptivo ao contato, não conseguirá oferecer certos dados dos quais necessitamos.

Assim, é indispensável entrevistar também os familiares. Se houver mais de um usuário e/ou familiar na ocasião do atendimento, prefira aquele que se mostre capaz de trazer um relato mais organizado.

Nesse sentido, o planejamento prévio da crise é uma das estratégias inovadoras para o cuidado em saúde mental, pois ele é formulado em conjunto entre a equipe que realiza o cuidado e o(a) usuário(a) que recebe-o.

Para aplicá-lo, a equipe pergunta ao usuário(a) a conduta que eles devem ter para lidarem com a situação sem deixá-lo(a) desconfortável.

Assim, pensando com o(a) usuário(a) sobre o futuro, todos os parâmetros de atendimento e suporte já ficam definidos para o cuidado dos(as) usuários(as) e, dessa forma, e equipe pode montar um “Manual da crise” para orientar melhor o atendimento.

Muitas pessoas, ressalta o professor Deivisson Vianna, orienta a equipe a adotar atitudes coerentes que reservem a segurança da família e a própria segurança pessoal.

Essa estratégia considera a pessoa que experiência a crise possui autoridade máxima para a sua realidade e, assim, ela é quem determina qual é o melhor cuidado e qual é a melhor conduta para que ela possa ter um auxílio profissional respeitoso.

Dessa forma, o planejamento prévio da crise pode além de incentivar o respeito, exercitar e promover a autonomia por fazer o usuário(a) refletir sobre as ações que causam a crise e as ações que o acalmam.

Absorção da realidade

É mais proveitoso para o(a) profissional da área da saúde mental absorver a realidade do usuário(a) do que tentar confrontá-la.

Frases do tipo: “isso não é verdade”, “está tudo na sua cabeça”, “você não precisa ter medo disso”, etc… podem prejudicar o andamento clínico para o cuidado do(a) usuário(a), porque, por mais que para o(a) profissional a experiência seja imaginária, para o(a) usuário(a) a experiência é extremamente real.

Então, a relação e o cuidado são muito melhores aproveitados se o profissional tenta absorver a realidade do(a) usuário(a) em vez de tentar confrontá-la.

Assim, para compreender a realidade vivenciada, o(a) profissional deve saber ouvir os(as) usuários(as) para conectar-se com eles(as) e identificar os aspectos motores que definem a realidade vivenciada por eles.

Portanto, a absorção da realidade é uma estratégia inovadora e fundamental para os(as) profissionais saúde mental estabelecerem uma nova forma de cuidado que seja pautada no respeito à autoridade que o usuário tem de sua vida.

Assim, essa estratégia é considerada inovadora porque inaugura uma nova relação entre cuidado e cuidador. Uma mudança fundamental para o estabelecimento de um novo conceito de cuidado em saúde mental, um conceito que será o diferencial para os(as) profissionais do futuro.

Sinais

Ao conhecer a história do usuário(a) e conectar-se com ela, o(a) profissional têm a possibilidade de reconhecer os gatilhos da vida do usuário(a) que desencadeiam a crise.

Assim, conhecendo a experiência de vida da pessoa, o(a) profissional pode antecipar os sinais de uma crise e trabalhar com a prevenção dela.

Por isso, utilizar os sinais como estratégia de cuidado é de fundamental importância para que o(a) profissional possa entender um pouco melhor a crise pela qual o indivíduo experiência.

Diante de uma possível crise, importa verificar os seguintes aspectos:

  • fala acelerada e descoordenada;
  • discurso delirante;
  • as características psicopatológicas e a gravidade clínica do quadro;
  • a intensidade do sofrimento do usuário e das demais pessoas envolvidas;
  • o grau dos distúrbios e conflitos que a situação de crise provoca nas relações familiares e sociais;
  • até que ponto estão preservados os laços familiares e afetivos;
  • se existem, e quais são os suportes para o usuário na família, na comunidade, em todo o âmbito do território;
  • quais os recursos da Rede Local de Atenção Psicossocial para o atendimento da crise; e
  • quais as condições de renda, moradia, segurança e demais direitos de cidadania do usuário.

Dessa forma, além do(a) profissional ter uma resposta reativa à crise muito mais rápida, ele também fica apto(a) em trabalhar de forma preventiva contra a crise.

Por isso, ter o cuidado estratégico em avaliar e identificar os sinais psicológicos de cada usuário(a) é fundamental para que o(a) profissional possa diferenciar o seu cuidado em saúde mental  e promover uma relação significativa para a vida do usuário(a).

Flexibilidade e organização

Apesar das regras e da rigidez existente dentro das instituições em saúde mental, adotar a flexibilização e a organização como uma estratégia de manejo à crise é um aspecto de fundamental importância para realizar um atendimento eficaz e assertivo.

Porque, em muitos casos, quando os usuários estão vivenciando uma crise aguda, não há serviço algum de atendimento, já que os horários são limitados e restritos.

Porém, uma crise aguda pode vir tão rápido na mesma proporção que vai embora e, se não há um serviço de atendimento à crise disponível no momento em que o usuário experiência a crise, ele pode ficar desamparado e isso poderá agravar a situação de sua saúde.

Se o usuário em crise não vai até o serviço de saúde, o serviço deve deslocar-se até o usuário, acompanhando-o onde ele estiver.

Algumas vezes, o(a) usuário(a) em crise nem mesmo chega a um serviço de saúde, recusando-se a ir até lá.

Nesses casos, a equipe da atenção básica do CAPS ou, se necessário, o SAMU deve dirigir-se ao local onde o usuário se encontra para abordá-lo, e, se necessário, conduzi-lo ao serviço indicado.

Onde quer que chegue, porém, deve ser acolhido e escutado, antes de qualquer decisão sobre o encaminhamento.

Assim, a flexibilização e organização consideram que a crise não escolhe horário para ocorrer, então não há como ter horários de atendimentos rígidos e inflexíveis.

Mas, um desafio que essas estratégias enfrentam é o estabelecimento dos conceitos de flexibilidade e organização em ambientes totalmente intransigentes, como é o caso de clínicas hospitalares.

Portanto, a flexibilização e a organização tornam-se estratégias diferenciais aos profissionais que trabalham dessa maneira, já que há a consideração de um atendimento emergencial para o quadro de crise.

Acordos e negociações

Durante o cuidado da saúde mental, utilizar acordos e negociações são estratégias fundamentais para uma boa relação com o usuário e com a instituição.

Isso porque, em um estado pré-crise, os(as) profissionais podem conversar com o usuário(a) para conhecer melhor suas experiências para definir, junto com ele, qual é o melhor cuidado possível que a equipe pode ter para lidar com uma possível crise.

Assim, ouvindo previamente o usuário(a), a equipe encontra a melhor maneira para lidar com o manejo da crise.

No atendimento, a negociação começa com um simples “oi, tudo bem?”, porque, ao tornar o diálogo o mais casual possível, temos a oportunidade de criar conexão com a pessoa e prosseguir com a conversa para tirar informações mais importantes.

Assim, apresente-se, escute, mostre um real interesse na vida da pessoa que está na sua frente e busque os melhores acordos e negociações para ampará-la, você verá que, quando for necessário, você terá a intervenção adequada que ela precisa.

Porém, em casos extremos quando o usuário está em um quadro intenso de crise e não consegue responder por si, a equipe deve procurar sua família ou alguma outra rede de apoio para encontrar quais são as melhores medidas para acalmá-lo.

Assim, as negociações devem ser feitas não somente com o usuário(a), como também deve incluir a família para ter uma dimensão completa sobre o cuidado.

Além disso, os acordos e negociações são também muito importantes nas relações profissionais com os colegas, porque, em alguns casos, há um profissional da equipe que pode fazer mais por um usuário do que outro profissional.

Então, saber manejar esses casos é de fundamental importância para os usuários dos serviços obterem o melhor cuidado possível da equipe.

Mas lembre-se, em uma boa negociação, ambas as partes saem felizes.

Conclusão

Portanto, podemos ver que para aplicarmos as 6 estratégias de manejo à crise, é necessária uma conduta diferente da tradicional.

Isso porque essas estratégias  estão pautadas em tratamentos alternativos em saúde mental, que exigem um novo compromisso do(a) profissional da saúde.

Para aplicar essas estratégias, é necessário que o(a) profissional da saúde possa conectar-se com o usuário ou usuária a ponto de entender suas experiências de vida e valorizar as singularidades que marcam o ser humano que está procurando por ajuda.

Em uma das lives transmitidas pelo CENAT, o professor Deivisson Vianna ressaltou a importância de adotar estratégias de avaliação para o manejo da crise.

A importância de sua fala e a clareza de seus exemplos inspiraram a escrita desse artigo e por isso, recomendamos ele agora para você.

Você pode acompanhar o vídeo na íntegra pelo link Estratégias de Avaliação ao Manejo da crise – YouTube

Além disso, recomendo que você acesse o material didático sobre atendimento à crise disponibilizado pelo UNA-SUS. Lá, você poderá encontrar inúmeros conceitos e estudos de caso para incrementar o seu cuidado em saúde mental – Modulo4-Crise-2015-2_final.pdf.

Espero que você tenha gostado do artigo e dos conteúdos que compartilhamos até aqui.

Comente sobre qual estratégia te chamou mais atenção, quais outras você costuma utilizar e o sobre que você gostaria de encontrar aqui no canal nos próximos post’s.

3 Comentários


  1. Todos os manejos são importantes, mas considero que a escuta ativa por ser o primeiro contacto com o usuário me parece ser primordial, pois a confiança é vital para qualquer outro manejo que que venha a seguir. Estas novas formas de abordar permite o sujeito ser contemplado no seu todo e faz do terapeuta conjuntamente com a equipa multidisciplinar ser uma parceria no processo ao invés de agir sobre o sujeito, não permitindo a esse ser protagonista da sua historia de vida.

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