Em 18 de Maio de 1987 foram realizados os encontros Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru/SP e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, em Brasília; grupos precursores da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
Desde então, comemora-se nessa data a luta dos grupos militantes pela reformulação das políticas públicas de tratamentos psiquiátricos, que buscam alcançar uma alternativa que respeite os direitos da pessoa em crise e levem em conta os aspectos de sua própria subjetividade.
Este ano, a luta completa 34 anos de existência e nós do CENAT queremos fazer com você uma retrospectiva de todos os passos que foram dados até a nossa direção, e de todos os passos que teremos que dar adiante.
Normalmente, toda luta social possui um embasamento teórico prévio que aponta para a necessidade de reformulação da sociedade.
Com a luta antimanicomial não foi diferente. Com o seu livro A História da Loucura, Michael Foucault (1926 – 1984) elabora um estudo da arqueologia do discurso sobre a loucura, defendendo a tese de que o conceito de “louco” é relativo a cada sociedade e é moldado de acordo com as relações de poder e saber que dela emergem. (SILVEIRA; SIMANKE 2009).
No seu livro, Foucault investiga as condições de possibilidade de existência da psicologia, desde a Idade Média até os tempos atuais, descrevendo as relações que cada sociedade teve com a psicologia e com o entendimento da loucura.
Segundo o estudo de Foucault, é somente no século XVII que as instituições de saúde começam com os princípios do internamento, muito em decorrência do tratamento das doenças venéreas.
Porém, o principio foi aplicado também nas demais áreas da saúde, acarretando em um sistema médico pautado na patologia e no medicamento de um sistema manicomial exercido pela hegemonia do biopoder.
Portanto, os escritos de Foucault já denunciam um sistema psiquiátrico falho, alienante e dominador, que não atende as necessidades de cuidado da sociedade e que muitas vezes não respeita os princípios de subjetividade do indivíduo.
Mas, até então, isso era apenas uma denúncia teórica, sem nenhuma alternativa prática para inserir no lugar da conduta tradicional.
Um dos percusores pelo início da origem da reforma do sistema de saúde mental foi o psiquiatra Franco Basaglia, nascido em Veneza.
Durante os anos 60 foi o diretor do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, onde presenciou diversos abusos no tratamento de problemas mentais.
Por esse motivo, Basaglia resolveu fazer mudanças nas práticas de tratamento dos pacientes, responsável por dar origem à luta antimanicomial.
Em 1968, ele publicou o livro “A instituição Negada”, onde revelou uma grande parte das suas estratégias que foram feitas no Hospital Psiquiátrico de Gorizia depois de feita a reformulação no tratamento psiquiátrico, Basaglia se tornou uma referência mundial na luta antimanicomial.
Com o lema “por uma sociedade sem manicômios”, diferentes categorias de profissionais, representações políticas e de outros segmentos da sociedade, questionam o modelo clássico da saúde mental centrado em internações em hospitais psiquiátricos, denunciando as graves violações aos direitos das pessoas com transtornos, propondo a reorganização do modelo de atenção em saúde mental a partir de serviços abertos, comunitários e territorializados para garantir a cidadania de indivíduos historicamente discriminados e excluídos da sociedade.
No entanto, apenas em 1978 foi aprovada, na Itália, a Lei da Reforma Italiana, conhecida como Lei 180, que serviu como modelo para a reformulação do sistema Psiquiátrico no Brasil.
Seguindo a trajetória de muitos outros movimentos mundiais, é no contexto da abertura do regime militar que surgem as primeiras manifestações no setor de saúde, principalmente através da disseminação de espaços de discussão e produção do pensamento crítico na área.
É basicamente nesse contexto que surge o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, movimento que assume papel relevante de denunciar os crimes do governo militar, principalmente no que diz respeito ao sistema nacional de assistência psiquiátrica, que incluía práticas de tortura, fraudes e corrupção dentro dos manicômios.
Este movimento dá início a uma greve (durante oito meses no ano de 1978) que alcança importante repercussão na imprensa. Instala-se o lema do movimento: uma sociedade sem manicômios.
Este lema sinaliza um movimento orientado para a discussão da questão da loucura para além do limite assistencial, concretizando a criação de uma alternativa que passa a demarcar um campo de crítica na área da saúde mental.
Tendo em vista uma significativa aproximação dos usuários e os familiares, é criado, no II Congresso, o Manifesto de Bauru que constitui-se como um documento de fundação do movimento antimanicomial, firmando os laços sociais entre os profissionais e a sociedade para o enfrentamento da questão da loucura e suas formas de tratamento convencional.
Os 350 trabalhadores de saúde mental presentes ao II Congresso Nacional dão um passo adiante na história do Movimento, marcando um novo momento na luta contra a exclusão e a discriminação, se posicionando contra a mercantilização da doença, contra uma reforma sanitária privatizante e autoritária; lutando por uma reforma sanitária democrática e popular, pela reforma agrária e urbana, pela organização livre e independente dos trabalhadores e pelo direito à sindicalização dos serviços públicos.
Cientes de que a causa era justa, foram incansáveis lutando por ela. Construíram o projeto de lei antimanicomial e trabalharam por sua aprovação no Congresso Nacional.
No desafio da implementação do SUS, construíram também um passo a passo para a efetivação de uma nova Política Nacional de Saúde Mental, com efetiva participação social, que foram expressas em quatro Conferências Nacionais.
Além disso, realizaram marchas, manifestações e passeatas, ofertando à sociedade brasileira o alegre sabor da liberdade ainda que eminente.
Os atores sociais da reforma psiquiátrica nas décadas de 1970 e 1980 vêm constituindo um campo de ações e lutas sociais importantes.
No espaço de seis anos, compreendidos entre 1987 e 1993, várias articulações foram realizadas, diversos núcleos do movimento foram se constituindo fomentando um ambiente de discussão para a instituição de uma abordagem alternativa no cuidado da saúde mental.
O resultado da luta veio apenas em 2001, quando foi aprovada, no dia 06 de Abril, a Lei N°10.216, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, que garantia na legislação a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial da saúde mental vigente.
Porém, percebe-se importantes diferenças e disputas no interior do próprio movimento de luta antimanicomial.
Tendo em vista os conflitos e impasses – entre os impasses, destaca-se: a constituição de um colegiado nacional com dois representantes de cada Estado, o espaçamento dos encontros de dois para três anos, a continuidade dos encontros de usuários e familiares, também para três anos, e a realização de feiras culturais, nos espaços vagos, para pessoas a fim de conhecer e participar das atividades do movimento. (Lüchmann, L.H.H. & Rodrigues, J – 2007).
Os principais desafios do movimento são:
- A relação ou articulação entre os diferentes atores, interesses e identidades.
- A combinação de diferentes estratégias de organização e luta, rompendo com perspectivas maniqueístas que optam ou pela inserção institucional ou pela mobilização social.
- A articulação com a política partidária e com os atores governamentais, tendo em vista transformar as representações sociais.
- A articulação em forma de redes, a utilização da mídia, a realização de cursos e projetos de qualificação são, entre outros, importantes medidas neste sentido.
- Além disso, problema também recorrente nos movimentos sociais de maneira geral, a questão do financiamento requer a discussão de como captar recursos para campanhas, encontros e realização de projetos, entre outros.
- E, por último, a necessidade de estabelecer um processo de avaliação da ação coletiva, já que os rumos do movimento necessitam ser mais discutidos entre si, suas perspectivas e suas responsabilidades.
(Lüchmann, L.H.H. & Rodrigues, J – 2007)
O Movimento da Luta antimanicomial alcançou progressos formidáveis nesses 34 anos de existência. Apesar dos retrocessos recentes quanto ao corte de verba no SUS ao programa de saúde mental público, cada vez mais organizações lutam pela reformulação dos ideais do sistema psiquiátrico.
Nós do CENAT nascemos dentro desse contexto e estamos aqui hoje para celebrar essa mudança importante que a sociedade caminha.
Queremos fazer a nossa parte para continuar com o caminho trilhado por nossos antecessores e alcançar um sistema de saúde mental mais humano e acolhedor possível.
Referências:
– Dia Nacional da Luta Antimanicomial – 17 de Maio de 2018 – Ministério da Saúde © 2021 – Todos Direitos Reservados – V 1.3 –
– SILVEIRA, Fernando; SIMANKE, Richard – A psicologia em história da loucura de Michael Foucault – Fractal: Revista de Psicologia, v. 21 – n. 1, p. 23-42, Jan/Abr. 2009
– Lüchmann, L.H.H. & Rodrigues, J – O movimento antimanicomial no Brasil – Ciência & Saúde Coletiva, 12(2):399-407, 2007
– Bauru, dezembro de 1987 – II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental. Manifesto Baurú.
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Vamos continuar a luta por mais direitos e vida com dignidade para os nossos usuários. Resistir contra os retrocesso que o governo vem impondo. Liberdade, cuidado, respeito e
dignidade é tudo que o usuário quer.
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gostei muito desta matreia gostaria que me enviasse materias respeito, parabens pelos brilhantes cometarios.
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Muito bom este artigo tão necessário para compreensão do contexto acerca da Luta Antimanicomial e Saúde Mental .Parabéns e obrigada.