Caracterizado por um padrão difuso de instabilidade nas relações interpessoais, impulsividade acentuada em diferentes contextos e grandes níveis de insegurança por parte de quem o sofre, estima-se que o transtorno borderline atinja a 6% de todas as pessoas ao redor do mundo (APA, 2013).
Surgindo da psicanálise, o termo borderline nasce em correspondência aos padrões comportamentais exibidos por algumas pessoas, tendo sido usado pela primeira vez no final da década de 30 pelo psicanalista e pesquisador Adolph Stern.
Normalmente dando indícios na transição entre a fase adolescente e a fase adulta da vida de uma pessoa, o transtorno borderline dá contornos a uma condição que gera sofrimentos intensos na medida em que não se percebe seu desenvolvimento.
Assim como ocorre com outros transtornos envolvendo a saúde mental humana, suas causas específicas são pouco definidas, sabendo-se apenas que fatores como a genética, questões neuronais e as experiências de vida das pessoas portadoras, poderiam estar relacionados ao seu surgimento e desenvolvimento.
Em tópicos, tem-se que esses fatores de risco seriam:
Genético: sabe-se que o transtorno chega a ser cinco vezes mais comum em parentes de primeiro grau de pessoas portadoras.
Fisiológico/Neuronal: certas alterações cerebrais podem estar associadas a falhas no controle de impulsos e alterações de humor constantes.
Familiar/Ambiental: abusos físicos ou sexuais, traumas, ambientes conturbados ou conflitos intensos seriam comuns em indivíduos apontados como portadores de transtornos de personalidade; o borderline se enquadra nessa lista.
(Fonte: Pronin, 2018)
Outro elemento histórico importante a se por em destaque diz respeito ao fato de que apenas em 1980 – quase no início do século XXI – se tem o reconhecimento oficial do transtorno borderline por parte de toda a comunidade psiquiátrica como uma questão importante a ser estudada, sabido que não se tinha uma precisão a respeito dele em tempos anteriores.
Nesse sentido, em questão de pesquisas, tratamentos e reconhecimento social em relação a outros transtornos psicossociais, o borderline estaria no início de sua caminhada desde então.
No entanto, hoje, seu conhecimento se faz muito mais presente, de maneira que formas de trata-lo estariam em constante prática e desenvolvimento, a ponto mesmo de encontrarmos pesquisas e pesquisadores no mundo todo falando sobre suas manifestações.
Dito isso, é com o objetivo de ajudar outras pessoas em estado de sofrimento, que recomenda-se observar, descobrir, conscientizar e tratar do transtorno na medida em que for possível, possibilitando a construção de compaixão e sensibilidade para com a experiência do outro.
Se deve ter em mente, por exemplo, todo o auxilio que a psicoterapia pode vir a oferecer em casos como esses.
Observando as características e comportamentos mais comuns da pessoa com transtorno borderline
Apesar de por muitos anos ter sido um transtorno de difícil observação, tendo em vista a similaridade de suas manifestações em relação a outros transtornos mais comuns como a bipolaridade, o TOC e outros, tem-se que hoje se tornou mais fácil sua constatação em função dos estudos já realizados e dos esforços feitos para se amenizar suas consequências na vida das pessoas.
1) Esforçam-se desesperadamente para evitar o abandono (real ou imaginado): diferentemente de um termino de relacionamento, situações do dia-a-dia, como o atraso do terapeuta ou o cancelamento de um encontro, podem ser interpretados como um sinal de rejeição.
2) Vivem padrões de relacionamento instáveis e intensos, alternando entre extrema idealização e desvalorização: por exemplo, a mãe, que diversas vezes assume um papel de porto seguro, deixe de ser preocupada porque não atendeu a algum desejo, ou a companheira, que por ter se esquecido de realizar algo, torna-se menos amável.
3) Instabilidade acentuada da autoimagem ou da percepção de si mesmo: a pessoa portadora do transtorno borderline pode transitar entre crenças, valores, visual e atitudes em pequenos espaços de tempo, normalmente em busca dessa percepção de si que algumas vezes pode ser difícil de se consolidar.
4) Impulsividade potencialmente autodestrutiva: buscando atenuar as sensações de vazio ou rejeição, é comum que estas pessoas busquem atividades de prazer imediato e intenso.
Compras compulsivas, direção perigosa, dietas extremamente restritivas, atividades sexuais de risco ou mesmo abuso de álcool e drogas; depende normalmente do indivíduo e do contexto em que ele se encontra.
5) Instabilidade afetiva e de humor: por vezes mais intenso que no transtorno bipolar, a pessoa pode ir da extrema felicidade á insatisfação e desanimo rapidamente.
Esta característica pode se refletir nos relacionamentos, visto que uma paixão acentuada pode se transformar em indiferença em algum tempo dependendo do caso.
6) Sentimentos de vazio recorrentes: a busca por propósitos, a dificuldade em lidar com as nuances da vida; tudo isso pode se refletir de maneira potencializada no dia-a-dia da pessoa lidando com o borderline.
7) Raiva intensa, inapropriada e de difícil controle: pode ser comum para o indivíduo portador passar por momentos intensos de irritação, raiva, sem que haja muito controle de sua parte.
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Tem-se com alguma frequência a pessoa se envolvendo em agressões físicas para com parceiros, familiares e até mesmo com estranhos, como em brigas de bar, por exemplo. Depois, normalmente, surge nesses indivíduos uma grande sensação de culpa, algo a reforçar a autoimagem negativa também.
8) Crises e situações de suicídio: infelizmente, pode ser comum que indivíduos portadores do transtorno borderline tentem ou cometam suicídio, dada as dificuldades que enfrentam caso nenhum tratamento se dê em algum espaço de tempo.
Crises dissociativas podem acontecer da mesma maneira iniciadas por momentos de intenso estresse e raiva, levando algum tempo para que passem e a pessoa retome a percepção de si.
Tratamentos e abordagens terapêuticas efetivas no tratar do transtorno borderline
Hoje em dia, com o melhor conhecimento do borderline, tem-se disponíveis algumas formas já comprovadas de tratamento para quem enfrenta dificuldades por conta do transtorno limítrofe.
Terapias, tratamentos medicamentosos, meditação; conheça um pouco mais sobre essas práticas:
Terapia Focada em Transferência (TFT): é um tipo de terapia psicodinâmica que leva em conta a existencia do insconsciente. A pessoa e o terapeuta conversam sobre tudo: acontecimentos recentes, antigos, a infância, os sonhos; tudo para estimular a fala e a reflexão.
A automutilação é entendida como uma forma de usar o corpo para comunicar o sofrimento. O identificar de comportamentos destrutivos como uma forma de autoboicote torna-se outro dos objetivos.
Um modelo adaptado desse tipo de terapia é adotado, por exemplo, pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP para indivíduos portadores do transtorno borderline.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): a ideia seria tomar consciência das sensações e padrões de pensamentos que estão por trás de seus comportamentos extremados, junto com o auxilio da terapeuta/psicóloga. Tem-se como objetivo aprender a lidar com os próprios sentimentos, com a raiva e as inseguranças.
Terapia Comportamental Dialética (TCD): criada pela americana Marsha Linehan e inspirada nos ideais zen, de que é necessário observar e aceitar para então mudar, a TCD, considerado hoje como o tratamento com as melhores evidencias cientificas de melhora, envolve a terapia individual e a terapia de grupo com o objetivo de desenvolver nos indivíduos a regulação de suas emoções, a tolerância ao estresse e o entendimento quanto a situações de “não”, por exemplo.
(Fonte: Pronin, 2018)
Medicamentos: podem ser necessários, mas isso irá depender do quadro individual e de conversas bem estruturadas com algum profissional da psiquiatria.
Seus efeitos mostram resultados, auxiliam na estabilidade e no controle da ansiedade, das crises e da impulsão recorrente de pessoas portadoras, mas por outro lado podem ter efeitos adversos.
Junto da medicação, sempre será necessária a conscientização daquele que a usa, fazendo-o entender o que se passa, qual sua condição psicológica, como o meio social pode melhorar ou agravar alguns comportamentos e etc. O conhecimento é sempre muito importante.
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Assim como em outros transtornos e quadros psicológicos, o uso da medicação, se bem controlado e acompanhado pelo profissional da psiquiatria, pode ter sim seus benefícios e ajudar no processo de desenvolvimento do indivíduo, mas tudo deve ser feito de maneira clara e consciente.
Família, amigos e companheiros (as): apesar de estarmos falando de práticas “clínicas”, a conscientização e o apoio familiar é essencial para o indivíduo borderline em sua trajetória.
O diálogo, o entendimento; esses elementos fazem muita diferença na vida das pessoas que lidam com as dificuldades trazidas pelo transtorno. O apoio, reitero, é sempre muito importante.
Ouvindo relatos – a importância de se conscientizar a respeito do transtorno borderline
Para além das informações de cunho mais técnico, é importante ouvir os relatos de quem sente na pele um diagnóstico, as dificuldades e a batalha que se enfrenta para se recuperar e superar determinados problemas e desafios, principalmente quando o assunto se trata de saúde mental.
Dessa maneira, tendo como fonte e referência a obra da especialista em borderline, Helena Polak, trouxemos em citação um dos depoimentos colhidos por ela em sua obra Alta Sensibilidade Emocional, de 2011, para ilustrar melhor o que significa lidar com o transtorno de personalidade limítrofe.
Relato
“Eu não tenho certeza de quando comecei a me sentir diferente. Eu me lembro sim, muito bem, de quando me isolei de tudo e todos… isso aconteceu quanto eu tinha 15 anos. Logo depois que meu avô materno faleceu, o que indica que tal episódio serviu como gatilho.
Depois do falecimento do meu avô, então comecei um tratamento para depressão, pois foi esse o diagnóstico inicial. Tomava muitos psicotrópicos, várias vezes ao dia.
Nunca me senti bem com tal tratamento. Os medicamentos me davam sono e desânimo. Abandonei e retornei ao tratamento diversas vezes. Tinha crises terríveis. Sempre fui muito tímida e sempre tive muito problema para me socializar.
Felizmente tudo isso melhorou com o tratamento. Mas foram mais de 10 anos de sofrimento. Além do tratamento, algumas coisas tem me ajudado muito, entre elas, a companhia de um cão labrador que me distrai e ocupa a maior parte do meu tempo.
Outra coisa que tem me ajudado muito é a fé que professo. Cuidar da vida espiritual é um fator de ótimo prognóstico no TPB. E também, manter o meu blog é uma ocupação que além de trazer muita satisfação por ajudar os outros, me proporciona a evolução pessoal.
Tenho aprendido muito com a troca de informações lá obtidas. Minhas crises agora são mais moderadas e muito menos frequentes. Mas ainda sofro com a intensidade de meus pensamentos que ficam a mil por hora.
O meu lado sociável oscila tanto quanto o meu humor. Cada dia varia de um jeito diferente. Mas está bem mais estável do que anteriormente. Ainda sou bastante impaciente e tenho dificuldades em terminar uma tarefa. E sinto raiva quando sou contrariada, embora consiga controlar esse sentimento hoje.
Nunca me cortei (automutilação), mas tinha o costume de dirigir em alta velocidade e colocar minha vida em risco.
Felizmente todos esses sintomas se atenuaram com o passar dos anos e com o tratamento adequado. Com o tratamento, o “border” aprende a transformar seus sentimentos e a reagir de forma diferente.
Há muitas pessoas que merecem minha gratidão por participarem ativamente no meu progresso e melhora.
Das quais eu não poderia deixar de mencionar, o meu psiquiatra Dr. João Rodini Neto – o qual só tem acertado no meu traramento; minha grande amiga escritora, Helena Polak, que além de me oferecer apoio com seus livros, tem sido um amparo constante na minha vida; e meu amigo psicanalista, Henrique Trejgier, que tem me oferecido dicas infalíveis para lidar com o TPB.
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Além desses, há todos os borders que participam ativamente no fórum do meu blog, me oferecendo muito carinho, outros amigos (virtuais e reais) e parentes que estão presentes na minha vida até hoje – apesar das minhas inconstâncias.
Depois de todos esses anos de sofrimento com diagnósticos errados, rumos incertos e um futuro que parecia escuro demais, posso afirmar que a luz no fim do túnel não é uma ilusão, ela existe! Hoje eu compreendo que um “border” pode ser consideravelmente feliz!”
Considerações finais – Pensando o Transtorno Borderline
Por ser um transtorno que se reflete nas relações interpessoais de quem o sofre, preconceitos e incompreensão recorrentemente acompanham as pessoas portadoras do transtorno borderline ao longo de suas vidas.
A falta de conhecimento e sensibilidade tem influência nisso, fazendo com que as pessoas próximas a elas rotulem suas atitudes, sem ao menos entender o que de fato estaria acontecendo, algo que impossibilitaria a elas mesmas oferecerem ajuda nos momentos e situações mais difíceis.
Quando aponto a falta de conhecimento e sensibilidade, não o faço como uma crítica, muito pelo contrário. O faço querendo dizer que se deveria pensar mais na individualidade do ser, em suas experiências e episódios anteriormente passados, pois algo pode estar ali como plano de fundo.
Reconhece-lo, entende-lo e caracterizá-lo como um transtorno tratável, procurando a ajuda de profissionais da saúde especializados – pessoas que poderão auxiliar – faz-se um primeiro passo muito importante.
Em segundo lugar, tanto a atitude pessoal de aderir à terapia, quanto à educação da família são essenciais, na medida em que o único tratamento efetivo é o de equipe, contando com a colaboração de médicos, psicólogos, da família e do próprio indivíduo.
E em terceiro, ter compaixão pela vivência do outro, algo sempre importante seja lá qual for a circunstância da vida em que se esteja, sabendo escutar, dialogar e ajudar o próximo para que melhore e também encontre seu caminho.
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Mesmo com os avanços, o transtorno borderline ainda se faz pouco conhecido no Brasil. Por esses e outros motivos, devemos ajudar no compartilhamento de informações e conhecimentos a respeito dele.
Muitas pessoas sofrem sem saber e é essa situação que queremos alterar. Todo o esforço faz parte de um conjunto só em prol de uma melhor saúde mental.
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Tenho 43 anos e, até hoje, não me adaptei à ideia de ter um transtorno mental. Comecei a me tratar aos 31 anos de idade, depois de uma vida inteira de sensação de inadequação. Só hoje estou tendo mais conhecimento sobre o assunto, já que me propus a entender melhor o problema como uma forma de auto-ajuda. Li que alguns estudos apontam uma remissão dos sintomas do transtorno borderline a partir dos 40 anos… até agora, porém, minha visão de mundo continua tão perturbada quanto antes e me vejo ainda vivendo no mesmo turbilhão de sentimentos e emoções do início de minha percepção de existência. Pra mim a vida se resume num terrível pesadelo, onde as pessoas à minha volta não passam de criaturas imaginárias totalmente estranhas pra mim.