Barrie Kindly: Uma História de Autoconhecimento e Superação

Esse texto foi escrito por Barrie Kindly. Ele conta como conseguiu sua autonomia superando o diagnóstico que haviam lhe dado.

Ao ser internado pela primeira vez, disse que nunca iria embora, estando fortemente medicado e se sentindo incapaz de sobreviver sem ajuda. Neste período, estava sob os cuidados de uma equipe de apoio.

“Ao longo do tempo visitando hospitais, sempre senti que meus sentimentos estavam sendo mal interpretados, tudo o que falava era visto como um sinal de doença pela equipe médica. Mas no fundo do coração, sempre soube que nem tudo o que disse tinha sido loucura”.

Esse rótulo sempre irritou Barrie internamente. Ele estava muito sozinho há anos sendo usuário do serviço de saúde mental, medicado mais e mais. 

“Eu sempre achei que iria precisar da medicação para viver e nunca seria capaz de ser independente.”

Sempre estava fortemente medicado e sentia um zumbi, tentei lutar e a ponto de querer chorar. Embora não pudesse chorar neste momento, pois não tinha emoções e estava entorpecido, completamente insensível!

Ouvia vozes ruins, varias vozes em outros idiomas. Este sentimento de estar preso e trancado foi o que o fez querer mudar.

Consegui apoio Shirley Coffey, que trabalhava no centro de saúde mental na Escócia. “Quando expressei os meus sentimentos para ela, senti que poderia ter um caminho para recuperação”.

Uma equipe do centro de saúde mental Edimburgo, estava fazendo uma pesquisa sobre pessoas que ouvem vozes e eles estavam procurando um usuário para falar das vozes. A entrevista foi à oportunidade de ser ouvido.

Shirley  me entregou um livro, chamado: “A recuperação: um conceito estranho”, escrito por Ron Coleman. Esse livro mudou minha vida.

Recuperação

“O que é isso? como ninguém nunca me falou sobre isso?

Após ler o livro pela primeira vez, tive a esperança da recuperação e ter o controle da minha vida.

Naquele momento estava ouvindo muitas vozes e queria ficar longe dessas vozes, elas estavam me comendo mentalmente vivo, me ensurdecendo para o mundo e cegando minha visão através da intensidade de seu ruído, eu estava sob constante ataque.

Shirley foi um dia na minha casa e disse: Ron Coleman vai ligar para você hoje.

Eu podia ouvir dentro da minha mente medicada. Naquele momento as vozes voltaram: “haha, você acha que vamos deixar alguém ajudá-lo? “Ninguém pode salvá-lo”.

O telefone tocou era Ron. Mesmo enquanto nós falávamos ao telefone, minhas vozes estavam rindo: “haha, você realmente acha que ele pode te salvar, você é um idiota”.

Ele disse para mim depois de uma breve introdução e um bate-papo: “Barrie, suas vozes são reais”.

Nunca vou esquecer este dia. Pela primeira vez alguém se preocupou em saber se minhas vozes eram reais, isso nunca tinha acontecido comigo antes.

Quando falava sobre as minhas vozes. chamavam de louco e medicavam. Após a conversa comecei a ter esperança.

Eu tinha acabado de voltar de um hospital, onde fiquei sete semanas internado e foi o período que mais ouvi vozes.

Esse sentimento de reclusão como já conversamos muitas vezes não só no ambiente hospitalar, mas na sociedade por causa dos nossos rótulos, simplesmente dói e não serve para nada positivo.

Ron e eu conversamos por um curto período de tempo e ele me disse que com tempo eu iria ter controle sobre as vozes.

Levei um tempo para entender esse conceito, mas através do tempo e muito esforço interno, comecei a trabalhar.

Eu estava começando a entender minhas vozes, que elas só tinham o poder porque eu dei esse poder às vozes, elas poderiam dizer-me para fazer o que elas quisessem, mas eu tinha a escolha de como agir.

Pela primeira vez vi que as vozes não poderiam fazer nenhum mal fisicamente, afinal, é apenas uma ‘voz’. Comecei a ter controle da minha mente.

Ron me chamou para participar do grupo de ouvidores de vozes no Facebook, onde adquiri um conhecimento incrível, apoio e aceitação. No grupo começou minha recuperação de uma maneira que eu nunca poderia ter sonhado ser possível.

No grupo foi importante conhecer pessoas que trabalham na saúde mental, mas também outros ouvintes e uma coisa chamada aceitação.

Aceitação

Nesse momento estava me sentindo como um ser humano e feliz de ter ao meu lado pessoas que se importavam comigo, que sabiam que o que eu tinha a dizer era real sobre minhas vozes.

Pela primeira vez me senti incluído. Agora eu não era mais um excluído, mas sim parte de algo, algo maravilhoso, uma mudança na minha vida.

Eu sentia a positividade de todos e esta foi para mim uma oportunidade para crescer e recuperar. Senti pela primeira vez na minha vida que eu tinha encontrado meu clã, minha tribo. Era quase como se eu tivesse encontrado uma casa.

Comecei a ler, comecei a fazer perguntas e sabia que esse grupo iria me ajudar a recuperar elementos da minha própria maneira de ser e com isso eu comecei a aprender a aceitar minhas vozes e seguir em frente.

Por anos a foto do meu perfil no Facebook foi a foto do Ozzy Osbourne, de quem era muito fã. Durante anos me escondi atrás da foto do Ozzy, não tinha autoestima para colocar minha própria foto no perfil.

Raramente saía de casa. Fui ganhando confiança até conseguir colocar uma foto minha no perfil.

O filme do Kevin Healey sobre pessoas que ouvem vozes ajudou na minha recuperação. Como eu disse Kevin foi uma das minhas principais inspirações também e ele se tornou um grande amigo.

Lily Ruch foi uma pessoa chave na minha recuperação, ela me apoiava nos momentos mais difíceis. Acabei me apaixonando por ela e tivemos uma filha.

Então eu decidi mostrar o trabalho da Intervoice para os meus psiquiatras. Foi fantástico para mim ver como eles realmente ficaram interessados.

Pude ver que eles estavam dando boas vindas não só a essa informação, mas eles estavam realmente satisfeitos em ver o efeito que tinha sobre a minha recuperação, eles começaram a tirar os remédios pesados.

O psiquiatra que estava trabalhando comigo era atencioso e visava minha recuperação, não apenas receitava medicamento para solução de um problema momentâneo.

Pela primeira vez eu senti confiança em um médico. Eu estava começando a me sentir como uma pessoa e não como um diagnóstico. 

Depois de anos tive a coragem e a confiança de voltar a sair.

Embora tenha um monte de coisas que eu acredito que precisam ser modernizadas na psiquiatria, nem todos os psiquiatras são ruins e eles trabalham com as ferramentas que dispõem, muitas vezes em serviços com falta de equipe e dinheiro.

Eu tive um psiquiatra fantástico e ele tinha um pensamento moderno e acreditava que as pessoas podem ouvir vozes e viver uma vida independente.

Esperança

A sua atitude foi uma mudança de vida para mim e, juntos, nós assistimos um ao outro crescer. Eu tive grande satisfação em provar para ele que eu iria vencer esta “doença”.

Tinha orgulho pelo fato de que toda a equipe tinha me compreendido a ponto de trabalharam comigo como uma equipe ao invés de me fazer sentir como se fossem inimigos.

Então, depois disso, aprendi a tomar posse da minha vida, das minhas vozes, e trabalhando em conjunto com a minha equipe de apoio, principalmente com Shirley Coffey, que salvou a minha vida por ter me apresentado Ron Coleman.

Além disso, trabalho ao lado de minha mulher e também participo da Intervoice. Tento passar a mensagem de esperança para os outros, estou em paz comigo pela primeira vez na minha vida, eu me sinto vivo e livre.

Futuro

Um ano depois de entrar para Intervoice, eu parei de ter crise e deixei de ser usuário do serviço de saúde mental.

Agora estou vivendo uma vida nova em um país novo, trabalhando e com minha mulher. Eu tenho uma casa agora, uma família e o melhor, um filho a caminho.

Agora eu tenho algo que eu nunca tinha tido antes: “UM FUTURO”

Eu sou livre e continuo ouvindo vozes, a diferença hoje é que eu as aceito e elas tornaram-se minhas melhores amigas.

Agora tenho uma vida onde eu sou amado e incluído, só por isso tudo valeu a pena.

Eu adoraria ver o estigma e rótulos removidos, todos que causam tanta dor e mal entendidos.

As pessoas com transtornos mentais podem retomar a vida em suas mãos, podem ter autonomia e um futuro feliz, com certeza.


 

5 Comentários


  1. Excelente artigo para fortalecer e consolidar a importância de cuidar da saúde mental. Texto digno de aplausos.

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  2. Ola! Poderia dizer onde acho esse livro “a recuperaçao: um conceito estranho ron coleman”?

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