O que Thomas Szasz nos ensinou sobre o mito da doença mental?

Reverenciado por sua perspicácia, inteligência e teoria, Thomas Szasz se tornou uma das grandes referências da saúde mental no mundo.

Fazendo críticas à psiquiatria e ao seu uso comum do conceito “doença mental”, Szasz liderou debates sobre a patologização de comportamentos na academia, nos lugares em que estudou e frequentou.

As ideias de Thomas Szasz são históricas e baseiam discussões dentro da saúde mental até hoje, tamanha sua essencialidade para pensamentos colocando a subjetividade do ser humano no centro de questões psicossociais.

Sua obra principal por exemplo – a base de sua teoria, intitulada como “O mito da doença mental”, ainda se faz atual e importante, e é sobre ele e ela que conversaremos no nosso artigo de hoje!

Um pouco sobre a história e carreira de Thomas Szasz

Nascido em Budapeste (Hungria) no ano de 1920, Thomas Szasz viveu até 1938 em seu país natal, quando teve que se mudar com seus pais – que eram judeus – para os Estados Unidos, devido a ameaça nazista.

Sua carreira na universidade se inicia nesse período, quando se muda e se matricula em física na Universidade de Cincinnati, para logo conquistar o seu primeiro diploma.

Em 1944, ainda pela Universidade de Cincinnati, Szasz conquista o seu segundo diploma, se formando em medicina e realizando sua residência no hospital geral da cidade.

De 1951 a 1956, ele inicia sua formação em psicanálise pelo Instituito de Psicanálise de Chicago, se tornando membro do corpo do instituto até 1961, dando o tom conhecido às suas principais teorias.

Em 1962, Thomas Szasz se torna professor titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade do Estado de Nova Iorque, dando seguimento a sua carreira enquanto professor e pesquisador.

Após uma vida dedicada a academia e a produção e difusão do conhecimento, Thomas seria nomeado membro vitalício da Associação Americana de Psiquiatria e professor emérito da universidade na qual lecionava, a Universidade do Estado de Nova Iorque.

Além de suas conquistas pessoais, Thomas também fez parte do movimento antipsiquiátrico criado por David Cooper e Ronald Laing em 1950, se unindo a colegas pesquisadores importantes que compartilhavam de ideias semelhantes às suas em relação a psiquiatria e a liberdade do homem.

O mito da doença mental de Thomas Szasz

O centro das teorias psicossociais de Thomas Szasz está posto por ele como a ideia de que a concepção de “doença mental”, originária da psiquiatria, seria uma concepção falsa e inexistente; algo que desconsideraria a subjetividade e as experiências do ser humano.

Segundo ele, as desordens do pensamento e do comportamento, para os outros que compartilhavam do uso do conceito clássico de “doença mental”, teriam como origem defeitos puramente neurológicos – que em sua opinião, se demonstravam irreais.

Nesse sentido, Thomas Szasz (1960) apontaria que este posicionamento original da psiquiatria excluía a possibilidade das pessoas em terem problemas ou dificuldades por conta de suas diferenças, necessidades, valores e assim por diante – algo bastante novo para sua época.

Ao se aprofundar mais em suas críticas, Szasz ainda dizia que, nessa ideia de uso, as “doenças mentais” não teriam diferenças em relação às doenças do corpo, sendo as primeiras, “doenças cerebrais”, e as segundas, doenças dos demais órgãos.

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Suas teorizações se baseavam na constatação de que o conceito de “doença mental” seria utilizado para classificar problemas inerentes a vida, de acordo com um padrão irreal de comportamentos sociais, que seguiriam determinadas normas psicossociais (como o DSM, por exemplo).

Julgamentos seriam feitos para atribuir a alguém o rótulo de “doente mental”, a dissemelhança em relação a padrões ideais de comportamento confirmariam o rótulo – normalmente pelo psiquiatra – e “curas” e ações de “correção” seriam logo iniciadas.

Segundo Thomas Szasz (1960), seria logicamente absurdo e difícil imaginar que comportamentos originários de normas pudessem ser entendidos ou trabalhados de maneira não médica – dado que as normas seriam médicas – pelos profissionais e responsáveis terapêuticos.

A atividade psiquiátrica (e psicoterapêutica em muitos casos) estaria embebida de julgamentos, excluindo qualquer outra percepção sobre a vida, suas dificuldades, comportamentos e, fundamentalmente, quando perturbadores, tratamentos.

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Dessa ideia surge o “mito da doença mental”, entendendo-se que uma estrutura prévia formaria profissionais para que representassem seus conceitos de vida e mundo, excluindo a subjetividade humano diante de apontamentos sobre biologia, neurologia e, em resumo, “doenças mentais”.

A  “doença mental” como meio de controle social

De acordo com a teoria de Thomas Szasz, a ideia de “doença mental” serviria, maliciosamente, não só como artifício psiquiátrico, mas também – e fundamentalmente – como uma forma de estigmatizar e excluir comportamentos e dificuldades humanas não toleradas pela sociedade.

Retomando o que dissemos acima, Szasz difere a doença corporal – que em sua concepção seria pública e fisioquímica – da “doença mental”, apontando-a como um conceito utilizado para padronizar comportamentos sociopsicológicos dos quais o observador (diagnosticador) faria parte (Szasz, 1960).

Em outras palavras, o psiquiatra não permaneceria à parte do que ele observa, significando que, além de observador participante, ele estaria comprometido com algum quadro do que considera realidade, colocando ele em prática durante suas observações e julgamentos em relação as pessoas e seus comportamentos.

Diante disso, Szasz argumentaria sobre a desigualdade entre as posições de psiquiatra e paciente, da mesma forma em que explicitaria a exclusão de comportamentos e dificuldades humanas da “normalidade”, dado o seguimento exclusivo da cartilha medico-psiquiátrica.

Em três citações que se seguem, Thomas Szasz nos diz:

“Por isso me parece que – ao menos nas nossas teorias do comportamento – fracassamos em aceitar o simples fato de que as relações humanas são inerentemente providas de dificuldades e que para torná-las até mesmo relativamente harmoniosas se requer muita paciência e um árduo trabalho” (Szasz, 1960).

“Alego que a ideia da doença mental está sendo atualmente posta a funcionar para ocultar certas dificuldades que no presente podem ser inerentes – não que elas necessitem ser imutáveis – nos intercâmbios sociais das pessoas” (Szasz, 1960).

“Se isto for verdade, o conceito funciona como um disfarce; pois ao invés de chamar atenção para as necessidades humanas conflitantes, aspirações e valores, a noção da doença mental fornece uma “coisa” amoral e impessoal (uma “doença”) como uma explicação para os problemas da vida” (Szasz, 1960).

A desconstrução do estigma e o colocar do homem no centro da saúde mental eram as bandeiras levantadas por Thomas Szasz. Com elas, pôde ajudar milhares de pessoas e movimentos pela luta por direitos e igualdade na saúde.

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Ao afirmar a crença na doença mental – como algo além do problema do homem em dar-se bem com seu semelhante – como a própria sucessora da crença na demonologia (Szasz, 1960), Thomas Szasz coloriu debates e trouxe à tona reflexões extremamente importantes sobre sociedade e saúde mental.

Que reflexões podemos ter considerando as teorias de Thomas Szasz?

Atualmente, a Associação Americana de Psiquiatria detém monopólio sobre a designação de tudo o que se considera uma doença mental. O DSM é seu principal instrumento e nele se concentra o destino de milhares de pessoas espalhadas pelo mundo.

Uma visão positiva do manual considera o acesso a tratamentos para pessoas vivendo sob dificuldades inerentes a questões psicológicas; uma visão negativa considera, em muitos casos, a patologização da vida e a distribuição irrestrita de diagnósticos.

Thomas Szasz questionava a centralização de tamanha responsabilidade nas mãos de alguns poucos que, inevitavelmente, acabam sendo representados por outros poucos. Busca-se reprimir aquilo que a sociedade não aceita? Aonde fica a opinião e a autonomia de quem vivencia?

Criticar construtivamente nunca será um problema; Thomas Szasz abriu portas para isso em saúde mental. Suas opiniões incitam a discordância de muitos de seus pares e isso abre espaço para que o lado contrário seja ouvido e que seus pontos fundamentais também sejam considerados.

Mas – e essa é a principal função desse tópico; questionar – pergunta-se: seria mais ou menos útil pensarmos, como exemplo, no ouvir de vozes ou na natureza introvertida, como condições patológicas de saúde mental?

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Comportamentos fogem a regra daquilo que se considera “normal”, como os exemplos citados a cima; mas como encaixamos nessa lógica a vida de pessoas que lidam e vivem bem com essas experiências, fazendo delas parte de si mesmas? Ou mesmo, partes da vivência humana?

Ao se fazer da introspecção uma doença tratável, quais são as consequências? a que tratamentos – ou não – estão sujeitas as pessoas? Quais os efeitos colaterais da cartilha médico-psiquiátrica?

O desenvolvimento da psicofarmacologia trouxe novos medicamentos de apoio às pessoas que sofrem; mas, eles curam algo? Qual proposta está por trás do seu uso? Ou – como perguntaria Thomas Szasz – eles servem aos interesses de quem?

Nossas concepções sobre o que é normal ou sensato envolvem um projeto muito maior que um DSM, estamos nos descobrindo enquanto seres humanos todos os dias e deve haver espaço para isso.

A subjetividade humana não pode ser esquecida em decorrência dos nossos medos. Nas palavras de Thomas Szasz:

“Não tenciono propor uma nova concepção da “doença psiquiátrica” nem uma nova forma de “terapia”. A minha intenção é […] a de sugerir que os fenômenos atualmente chamados de doenças mentais sejam revistos de uma maneira mais simples, que eles sejam removidos da categoria das doenças, e que sejam considerados como as expressões da luta do homem contra o problema de como ele deveria viver” (Szasz, 1960).


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2 Comentários


  1. Olá, acompanhei o I Congresso Internacional em Saúde Mental Crianças e Adolescentes. Fiquei impactada com a qualidade dos palestrantes e com os temas trazidos.
    Qualidade nos assuntos tratados e seriedade para fazer por e fazer com.
    Ótima atuação. Gratidão!

    Att.,

    Cristiani Miliorini Ouriques
    Psicóloga
    CRP12/08139

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